b - Bairro da Infância

25/ 09 /2014

Bairro da Infância

“Passei toda a manhã naquele mundo desconhecido, a cidade proibida na nossa infância, porque ali havia duelo entre homens embriagados, ali as mulheres eram ladras ou prostitutas, ali a lâmina afiada do terçado servia para esquartejar homens e animais. Crescemos ouvindo histórias macabras e sórdidas daquele bairro infanticida, povoado de seres do outro mundo, o triste hospício que abriga monstros. Foi preciso distanciar-me de tudo e de todos para exorcizar essas quimeras, atravessar a ponte e alcançar o espaço que nos era vedado: lodo e água parada, paredes de madeira, tingidas com as cores do arco-íris e recortada por rasgos verticais e horizontais, que nos permitem observar os recintos; enxames de crianças sujas, agachadas sob um céu sinuoso de redes coloridas, onde entre nuvens de moscas as mulheres amamentavam os filhos ou abanavam a brasa do carvão, e sempre o odor das frituras, do peixe, do alimento fisgado à beira da casa” (Milton Hatoum. Relato de um certo Oriente).

categoria: b Citações Literárias