Poemas Transcritos

23/ 02 /2020

Que falta faz?

Que falta faz? – teres perdido as pernas?…

Todos te irão tratar com simpatia

E não deves mostrar que te angustia

Sentir que os outros correm disputando

Seus lugares à mesa das tabernas.

 

Que falta faz? – teres perdido a vista:…

Aos cegos há trabalho assegurado

E todos vão tratar-te com cuidado

Quando virem teu rosto que relembra

Voltado para a luz que não avista.

 

Que falta faz? – teres sonhado em vão?…

Podes beber, esquece e alegra um pouco,

Ninguém há de pensar que estejas louco,

Pois sabem que lutaste pela pátria

E por isso jamais te afligirão.

(SIEGFRIED SASSON)

[tradução de Ivo Barroso])

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05/ 02 /2020

Agradecimento

Aos que entendem.

Aos que não procuram heróis e vilões.

Aos que se entregam à angústia da noite e

à esperança do dia.

Aos que se dão ao ridículo de chorar

em locais públicos.

Aos que publicam suas fraquezas em verso.

Aos que contam as horas para os abraços e

perdem essas mesmas horas nos encontros.

Aos que querem muito dizer, e de tanto querer se engasgam, e

ainda assim dizem tudo com os olhos.

Aos que não pisam os insetos no caminho de casa, e

se riem com os cães.

Aos que vivem no presente-futuro para ter a chance

de escapar do presente-presente.

Aos que se compadecem e não julgam aqueles que blasfemam.

Aos que blasfemam.

Aos que entendem.

A vocês.

Especialmente a vocês.

Muito obrigado.

(Willian Silva de Oliveira Alves, Corações Libertários)

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03/ 02 /2020

Canções para a morte

A morte quando passa por mim é como se

o silêncio a abafasse

é como se dormisse quando eu durmo.

Ó mãos da morte, alonguem meu caminho

meu coração é presa do desconhecido,

alonguem meu caminho

quem sabe eu descubra a essência do impossível

e veja o mundo ao meu redor.

(Adonis)

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26/ 01 /2020

Tu eras

Tu eras a minha morte:

a ti segurar eu podia,

enquanto tudo me fugia.

(Paul Celan)

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20/ 01 /2020

Terminal Asa Sul

Olhando no olho do efêmero

me vi

desfazia-me, no tempo.

Não é o dia que finda

não é o rio que passa

Sou eu quem corta o vento

Sou água, que no mar deságua

 

Cada vinco em minha testa

cada fio que desfolha do pé

Instante, seguido por outro,

Cada vez mais débil, o corpo

 

Dia-a-dia

Nu com minha alma

Sou eu que passo

Sou eu

Eu que passo

Não o tempo

Sou eu que passo pelo tempo.

(Rogério Miranda da Silva, Corações Libertários)

 

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16/ 01 /2020

Janeiro

Anoiteço, todas os dias

nessa cidade de concreto e ferro,

onde se encontram corações

de pedra e aço.

 

Haverá, além dos canteiros empoeirados,

algum espaço

pra se encontrar um jardim…

uma flor…

uma cor…

um afago?

(Rogério Miranda da Silva)

 

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20/ 11 /2019

Tempestade

Lá vem a tempestade

Traz homens e cadáveres.

Coisas más se anunciam

Pela força invisível

Dos ventos sibilantes

Que salivam para consumir

O que há de bom e de mau

A tempestade sempre passa,

Mas deixa um clarão

Escuro de perdas,

Sem esperança.

(Luis C. Alcoforado, Incompletude)

 

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27/ 10 /2019

Segunda-feira

O que é mais triste que um trem?

Que parte quando deve partir,

Que tem somente uma voz,

Que tem somente um caminho.

Nada é mais triste que um trem.

Ou talvez um burro de carga.

Está preso entre duas barras

E não pode olhar para o lado.

Sua vida é só caminhar.

E um homem? Não é triste um homem?

Se vive há muito em solidão

Se acha que o tempo terminou,

Um homem também é coisa triste.

(Primo Levi, Mil Sóis)

 

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27/ 10 /2019

Carma

De meu veneno bebi

Copo a copo

Corte a corte

Corte a copo

Copo a corte

Copo cortei

Corte a corpo

Corpo a corpo

Corpo a copo que enchi

Copo à taça

Que me matou.

(Patrick de Sousa Torres, Corações Libertários)

 

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