Poemas Transcritos

07/ 04 /2024

Penso em ti

Eu penso em ti nas horas de tristeza

quando rola a esperança emurchecida

nas horas de saudade e morbideza.

Ai! Só tu és minha ilusão querida.

Eu penso em ti nas horas de tristeza.

(Castro Alves)

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07/ 04 /2024

Flores

Ninguém

oferece flores.

A flor,

em sua fugaz existência,

já é a oferenda.

Talvez, alguém,

de amor,

se ofereça em flor.

Mas só a semente

oferece flores.

(Mia Couto)

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24/ 03 /2024

Noite de ácidos (fragmentos XI)

Dentro de mim há pássaros que cantam.

E eu me sinto cansado de partir.

Sou homem – mas não sei para onde ir.

Sou pássaro – não sei por que me espantam.

(Carlos Nejar)

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03/ 03 /2024

Desencanto

Eu faço versos como quem chora

de desalento… de desencanto…

Fecha o meu livro, se por agora

não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…

Tristeza esparsa… remorso vão…

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,

assim dos lábios a vida corre,

deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre.

(Manuel Bandeira)

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13/ 02 /2024

Cantiga para Maria Sem Teto

Maria sem teto

precisa de afeto

e a vida é o que é.

Conheço Maria

talvez de uma orgia

nalgum cabaré.

Maria anda à toa,

mas sonha ser boa…

Eu sei que ela é pura,

que suave criatura,

que clara quermesse,

Maria seria

se alguém algum dia

afeto lhe desse.

Quando ela me olha

esquiva, medrosa,

Maria é uma rosa,

que a vida desfolha…

Desfolha sem dó.

(Edison Moreira)

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11/ 02 /2024

À Deriva

À deriva

estou

por falta de você…

Meus olhos,

carentes do teu olhar

vagueiam tristes…

Minha alegria

padece a falta

de tua magia

Na falta do toque

de tuas mãos

meu coração

silencia…

(Sílvia Grijó)

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03/ 02 /2024

Sentimentos carnais

Sentimentos carnais, esses que agitam

Todo o teu ser e o tornam convulsivo…

Sentimentos indômitos que gritam

Na febre intensa de um desejo altivo.

Ânsias mortais, angústias que palpitam,

Vãs dilacerações de um sonho esquivo,

Perdido, errante, pelos céus, que fitam

Do alto, nas almas, o tormento vivo.

Vãs dilacerações de um Sonho estranho,

Errante, como ovelhas de um rebanho,

Na noite de hóstias de astros constelada…

Errante, errante, ao turbilhão dos ventos,

Sentimentos carnais, vãos sentimentos

De chama pelos tempos apagada…

(Cruz e Souza)

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21/ 01 /2024

Pirata

Sou o único homem a bordo do meu barco.

Os outros são monstros que não falam,

Tigres e ursos que amarrei aos remos,

E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento com os mastros

E de me abrir na brisa com as velas,

E há momentos que são quase esquecimento

Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,

A minha amada é onde os roseirais dão flor,

O meu desejo é o rastro que ficou das aves,

E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

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14/ 01 /2024

O último brinde

Bebo à casa arruinada,

às dores de minha vida,

à solidão lado a lado

e a ti também eu bebo –

aos lábios que me mentiram,

ao frio mortal nos olhos,

ao mundo rude e brutal

e a Deus que não nos salvou

(Anna Akhmátova)

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18/ 11 /2023

O interrogatório

Nós poderíamos ter cruzado a estrada, mas hesitamos.

Então veio a patrulha;

O líder era consciencioso e aplicado,

Os homens eram ásperos, indiferentes.

Enquanto parávamos à espera,

O interrogatório começou. Disseram-nos que tudo

Deveria se esclarecer agora: quem, o que éramos,

De onde vínhamos, com que fim,

Contra que país conspirávamos, que país nós traíamos.

Perguntas e mais perguntas.

Ali ficamos e respondemos por todo o dia

E víamos, através da estrada, além da sebe,

Os amantes aos pares passarem descuidados,

Mão enlaçada à mão, sonhando outra estrela

E estavam tão perto que poderíamos lhes falar.

Aqui não podemos escolher respostas ou ações,

Embora os amantes continuem seu passeio

E o campo, que não pensa nada, esteja perto.

Estamos em nosso limite,

A paciência quase esgotada

E o interrogatório continua.

(Edwin Muir)

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