Poemas Transcritos

30/ 06 /2024

Cristo de Bronze

Ó Cristos de ouro, de marfim, de prata,

Cristos ideais, serenos, luminosos,

Ensanguentados Cristos dolorosos

Cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.

Ó Cristos de altivez intemerata,

Ó Cristos de metais estrepitosos

Que gritam como os tigres venenosos

Do desejo carnal que enerva e mata.

Cristos de pedra, de madeira e barro…

Ó Cristo humano, estético, bizarro,

Amortalhado nas fatais injúrias…

Na rija cruz aspérrima pregado

Canta o Cristo de bronze do Pecado,

Ri o Cristo de bronze das luxúrias!…

(Cruz e Souza)

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09/ 06 /2024

Lado a lado

Lado a lado

como dois tijolos no mesmo muro,

como duas pedras na mesma obra,

como dois sacos de areia na mesma barricada,

como duas mãos necessárias para empunhar uma mesma

metralhadora;

como dois corações

repartidos por Deus

em dois peitos diferentes,

batendo juntos como dois paus

de um mesmo tambor.

Lado a lado

como dois companheiros

siameses na mesma luta

de libertação.

(J. G. de Araújo Jorge)

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26/ 05 /2024

Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.

Minha mãe ficava sentada cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre mangueiras

lia a história de Robinson Crusoé.

Comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu

a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu

chamava para o café.

Café preto que nem a preta velha

café gostoso

café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo

olhando para mim:

- Psiu… Não acorde o menino.

Para o berço onde pousou um mosquito.

E dava um suspiro… que fundo!

Lá longe meu pai campeava

no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história

era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

(Carlos Drumond de Andrade)

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28/ 04 /2024

Poesia Perdida

Quantas vezes, alta noite

a alma rota de insônias,

me fustigavas, poesia.

eu, olho cerrado,

noturno feto, fingindo

não ser comigo que falavas.

falavas, e eu disfarçava

(amanhã te beijo, escrevo, acaricio).

Exausta, te afastavas.

exausto, adormecia.

No meio da noite

algo se perdia.

Não era muito

- só poesia.

(Affonso Romano de Sant’Anna)

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07/ 04 /2024

Penso em ti

Eu penso em ti nas horas de tristeza

quando rola a esperança emurchecida

nas horas de saudade e morbideza.

Ai! Só tu és minha ilusão querida.

Eu penso em ti nas horas de tristeza.

(Castro Alves)

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07/ 04 /2024

Flores

Ninguém

oferece flores.

A flor,

em sua fugaz existência,

já é a oferenda.

Talvez, alguém,

de amor,

se ofereça em flor.

Mas só a semente

oferece flores.

(Mia Couto)

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24/ 03 /2024

Noite de ácidos (fragmentos XI)

Dentro de mim há pássaros que cantam.

E eu me sinto cansado de partir.

Sou homem – mas não sei para onde ir.

Sou pássaro – não sei por que me espantam.

(Carlos Nejar)

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03/ 03 /2024

Desencanto

Eu faço versos como quem chora

de desalento… de desencanto…

Fecha o meu livro, se por agora

não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…

Tristeza esparsa… remorso vão…

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,

assim dos lábios a vida corre,

deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre.

(Manuel Bandeira)

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13/ 02 /2024

Cantiga para Maria Sem Teto

Maria sem teto

precisa de afeto

e a vida é o que é.

Conheço Maria

talvez de uma orgia

nalgum cabaré.

Maria anda à toa,

mas sonha ser boa…

Eu sei que ela é pura,

que suave criatura,

que clara quermesse,

Maria seria

se alguém algum dia

afeto lhe desse.

Quando ela me olha

esquiva, medrosa,

Maria é uma rosa,

que a vida desfolha…

Desfolha sem dó.

(Edison Moreira)

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11/ 02 /2024

À Deriva

À deriva

estou

por falta de você…

Meus olhos,

carentes do teu olhar

vagueiam tristes…

Minha alegria

padece a falta

de tua magia

Na falta do toque

de tuas mãos

meu coração

silencia…

(Sílvia Grijó)

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