Gente Miúda
Daniel não tinha documentos,
RG, certidão ou carteira profissional.
Não tinha sobrenome,
não tinha número, nem cidade natal.
Quase um bicho, dormia na rua sobre as notícias
e acordava na sarjeta, na calçada ou no lixo.
Os dentes, em intervalos,
mastigavam as migalhas do mundo,
as sobras do planeta.
Era soldado
das tropas dos famintos.
Os trapos — fardas dos miseráveis —
cobriam-lhe apenas o peito, a bunda e o pinto.
Sangrava de dia
o açoite do abandono.
Amigos? Só os cães
que o protegiam dos seres humanos.
Morreu
velho e abatido
depois de viver, todos os dias,
durante trinta e sete anos,
como se nunca tivesse existido.
(Sérgio Vaz)