Poemas Transcritos - Gente Miúda

06/ 05 /2023

Gente Miúda

Daniel não tinha documentos,

RG, certidão ou carteira profissional.

Não tinha sobrenome,

não tinha número, nem cidade natal.

Quase um bicho, dormia na rua sobre as notícias

e acordava na sarjeta, na calçada ou no lixo.

Os dentes, em intervalos,

mastigavam as migalhas do mundo,

as sobras do planeta.

Era soldado

das tropas dos famintos.

Os trapos — fardas dos miseráveis —

cobriam-lhe apenas o peito, a bunda e o pinto.

Sangrava de dia

o açoite do abandono.

Amigos? Só os cães

que o protegiam dos seres humanos.

Morreu

velho e abatido

depois de viver, todos os dias,

durante trinta e sete anos,

como se nunca tivesse existido.

(Sérgio Vaz)

categoria: Poemas Transcritos