Ancila Negra
Há ainda muita coisa a recalcar,
Celidônia, ó linda moleca ioruba
que embalou minha rede,
me acompanhou para a escola,
me contou histórias de bichos
quando eu era pequeno,
muito pequeno mesmo.
Há muita coisa ainda a recalcar:
As tuas mãos negras me alisando,
os teus lábios roxos me bubuiando,
quando eu era pequeno,
muito pequeno mesmo.
Há muita coisa ainda a recalcar
ó linda mucama negra,
carne perdida,
noite estancada,
rosa trigueira,
maga primeira.
Há muita coisa a recalcar e
esquecer:
o dia em que te afogaste,
sem me avisar que ias morrer,
negra fugida na morte,
contadeira de história do teu
reino,
anjo negro degredado para sempre,
Celidônia, Celidônia, Celidônia!
Depois: nunca mais os signos do
regresso.
Para sempre: tudo ficou como um
sino ressoando.
e eu parado em pequeno,
mandingando e dormindo,
muito dormindo mesmo.
(Jorge de Lima)