Artigos - Súmula Vinculante e Democracia

20/ 10 /2013

Súmula Vinculante e Democracia

Por força da Emenda n. 45/2004, a Constituição de 1988 previu a possibilidade da edição das súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com eficácia obrigatória para casos idênticos existentes em todas as instâncias judiciárias do país.

A súmula vinculante se insere no Direito Brasileiro no momento em que o Poder Judiciário está sobrecarregado de inúmeros processos idênticos, como os movidos por funcionários públicos visando à determinada diferença salarial e os de empresas contra a exigibilidade tributária, entre outras causas denominadas de massa.

O aumento avassalador de processos e de recursos gera insegurança e descrédito no corpo judiciário e na população, que precisa resolver os seus conflitos de forma legítima, eficaz, célere e segura.

Para a edição da súmula vinculante são necessários (art. 103-A da CF/88): quorum qualificado, de dois terços, para aprovação; existência de decisões repetitivas no mesmo sentido do próprio STF e que gerem multiplicação de processos sobre questões idênticas; matéria em discussão apenas de direito e não de fato.

O pedido de criação, de revisão ou de extinção da súmula pode ser feito por muitas pessoas e entidades: Presidente da República; Mesa do Senado Federal; Mesa da Câmara dos Deputados; Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; Governador do Estado ou do Distrito Federal; Procurador Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; Defensor Público Geral da União; Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios; Tribunais Regionais Federais; Tribunais Regionais do Trabalho; Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares (art. 3º da Lei n. 11.417/2006).

Esse rol extenso de legitimados tornou flexível e facilitou o mecanismo da edição, da mudança e da supressão da súmula, caindo por terra o argumento de que a criação da súmula engessará a magistratura, conforme defende corrente doutrinária infensa ao instituto. Além disso, ao se dimensionar o acesso das pessoas legitimadas atenuou-se o risco das dificuldades para a criação, revisão ou cancelamento da súmula, alargando-se, portanto, o acesso à justiça em prol do direito e da jurisdição constitucional.

Conforme a Constituição, a decisão transgressora da súmula vinculante, em casos repetitivos e idênticos, enseja o juízo de controle via reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal, a quem compete cassar a decisão e determinar sua substituição por outra.

Porém, o enunciado vinculante não impede o juiz de continuar, em cada processo, a fazer a devida apreciação e a cuidadosa interpretação de normas, e a aplicar a questão fática particular ao caso concreto. Mesmo na hipótese de matéria cuja controvérsia envolva eventual aplicação de súmula vinculante o magistrado pode ainda averiguar se o enunciado é cabível ou incabível ao caso em discussão.

Também a súmula vinculante não interfere no poder legislativo, pelo fato de não haver óbice para o legislador editar lei contrária à jurisprudência vinculativa, revogando-a, conquanto possa correr o risco de que tal norma possa a vir a ser considerada inconstitucional pelo STF.

Consigne-se que, na prática, mesmo as súmulas gerais (não vinculativas) são seguidas por praticamente todos os juízes como uma espécie de vinculação implícita, persuasiva e moral, pois no geral o juiz obedece à súmula de tribunal, sobretudo ao qual está diretamente vinculado.

O ideal seria o Brasil ser dotado de um Poder Judiciário democrático, forte, centrado em pluralismo de ideias e de ações, onde a criação do Direito pudesse vir da base e não da cúpula, e não um Judiciário massificado, burocratizado e amarrado a decisões vindas de órgão judicial superior. Seja como for, a instituição da súmula vinculante não viola o poder judicial de livre apreciação da demanda e traz com ela mecanismos facilitadores de sua modificação e extinção. Configura, ainda, mais uma medida normativa, além das constantes da legislação brasileira e de outras que poderão vir a ser criadas, com vistas a se dar celeridade e utilidade no processo e no julgamento dos feitos, para que se possa entregar à sociedade um serviço forense ágil, dinâmico, valorizado e responsável, em benefício, sempre, do povo.

Conquanto a súmula com tais efeitos resolva mais diretamente o problema de sobrecarga de trabalho no STF, indiretamente auxilia na diminuição de demandas repetitivas que sobrecarregam o Judiciário nacional, se pronta e continuamente editada pelo Tribunal de maior hierarquia do país, que, aliás, até agora, limitou-se a editar poucas súmulas vinculantes.

Por isso deve ser constante o trabalho de edição de novas súmulas vinculantes. Os inúmeros legitimados precisam ficar atentos para verificar situações onde já existe enormidade de ações idêntica e provocar o Supremo, para que o instituto tenha grande eficácia e repercussão positiva nos serviços judiciários.

Garantida a liberdade do magistrado para julgar questões particulares e para verificar se àquele fato sob sua apreciação deve aplicar realmente o enunciado obrigatório do STF, a instituição da súmula vinculante auxilia na prestação jurisdicional rápida e eficiente, sem prejuízo de trazer segurança jurídica aos jurisdicionados.

Diante desse relevante munus e desse poder nas mãos de seus ministros, é papel do STF editar súmulas ajustadas aos valores sociais e à justiça que, como inúmeras boas decisões de Tribunais são seguidas quase sempre voluntariamente (e não obrigatoriamente) pelos demais membros da magistratura do país.

 

Vallisney de Souza Oliveira (VSO). Publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, n. 10-11, ano 20, out.-nov. de 2008, p. 59-60.

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