Artigos - O caso Ximenes Lopes: O Brasil perante a Corte Americana de Direitos Humanos

08/ 09 /2013

O caso Ximenes Lopes: O Brasil perante a Corte Americana de Direitos Humanos

Vallisney de Souza Oliveira*

 

Em 04 de julho de 2006, com sentença publicada em 17 de agosto do mesmo ano, a Corte Americana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos – OEA, expediu decreto condenatório contra o Brasil por fatos decorrentes da morte, em 04 de outubro de 1999, de um portador de deficiência mental internado na Casa de Repouso Guararapes (Sobral/Ceará), instituição privada de tratamento psiquiátrico integrante do Sistema Único de Saúde – SUS.

Em 01 de outubro de 2004, a Corte Interamericana recebeu a denúncia proposta em 22 de novembro de 1999 pela família de Damião Ximenes Lopes, representada pela Organização Justiça Global (www.global.org.br/docs/sentencaximenesportugues.doc). Após o devido processo veio o reconhecimento de que o Brasil violou os direitos humanos, ao não fiscalizar devidamente a Clínica onde ocorreram os maus-tratos e a morte de Damião e ao deixar de julgar (punir) os culpados e de reparar os danos materiais e morais sofridos pelos familiares da vítima.

A Corte Interamericana levou em consideração o atraso injustificável, por mais de seis anos, do trâmite da ação civil de reparação de danos movida pelos familiares da vítima e da ação penal contra os acusados da sua morte, tanto que até a data do julgamento da Corte ainda não existia em relação aos fatos qualquer sentença prolatada pelo Judiciário do Estado do Ceará.

Aquele Organismo Internacional reconheceu, entre outras transgressões, ter havido ofensa aos direitos à vida e à integridade de pessoa portadora de deficiência, ofensa às regras da devida proteção judicial e ofensa ao princípio da razoabilidade do término do processo jurisdicional.

Em especial, a Corte considerou malferido o art. 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 1969), segundo o qual toda pessoa possui o direito de ser ouvida, com as garantias necessárias e num prazo razoável, por um juiz competente, imparcial e independente, bem como considerou ter havido desrespeito ao art. 25.1, pelo qual toda pessoa possui direito a um recurso célere e simples ou a qualquer outro meio recursal efetivo perante a justiça competente, que a ampare contra os atos de transgressão de seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela própria convenção, ainda que a violação tenha sido cometida por agentes do Estado.

Além de ter recebido outras sanções imateriais, o Brasil foi condenado a indenizar os pais e os irmãos de Damião Ximenes Lopes em mais de cento e trinta e cinco mil dólares americanos, mediante pagamento direto aos beneficiários.

Essa condenação dada contra o Brasil por violação a direitos consagrados em acordos internacionais configura um marco na realização do princípio de proteção aos direitos humanos, entre os quais a razoabilidade na duração do processo, direito já presente em textos constitucionais e em Convenções Internacionais, e também constitui um alerta ao nosso país sobre a necessidade de uma prestação jurisdicional de qualidade.

São conhecidos os diversos motivos da demora processual na Justiça Brasileira, tais como excesso de ritos no conhecimento da causa, protelação por meio de recursos, ineficácia no cumprimento da decisão, necessidade da plenitude de defesa, insuficientes condições de trabalho e de pessoal em muitas varas e comarcas no país e principalmente o excesso de demandas.

Diante desse cenário, distante do ideal, é bem-vindo qualquer mecanismo legislativo e de gestão, tanto para abreviar o prazo de uma demanda perante o Judiciário, quanto para tornar a Administração pública federal, estadual e municipal, mais aparelhada e mais apta a cumprir a regra constitucional da presteza e da eficiência nos procedimentos, inclusive policiais.

Aliás, conforme a Constituição Brasileira, no âmbito judicial e administrativo, todas as pessoas possuem o direito à razoável duração do processo e os meios garantidores da celeridade de sua tramitação (art. 5º, inc. LXXVIII, com a inovação da Emenda Constitucional n. 45/2004).

O princípio da justiça em tempo razoável, acolhido expressamente na Constituição, precisa a cada dia se fazer valer, até para não aumentarem as denúncias e condenações contra o Brasil na Corte da OEA e para que não piore a imagem brasileira internacional de sistema judicial demasiadamente caro e moroso e de país da impunidade.

Daí a necessidade de medidas adequadas para a plena eficácia do preceito da razoável duração do processo, tais como a contínua atualização da legislação processual, sobretudo a penal, a melhor dotação orçamentária para os órgãos essenciais à Justiça, o gerenciamento judiciário e administrativo com transparência e utilidade, a atuação mais efetiva das corregedorias dos órgãos públicos e dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público.

Além disso, por parte dos agentes estatais é imprescindível a consciência de que todo o cidadão tem direito de receber a adequada prestação jurisdicional sem retardo, bem como a atitude de intolerância contra a impunidade e a prescrição de direitos e outras mazelas jurídicas, a fim de transformar a concepção de que no geral a justiça brasileira é bastante demorada, ainda inegável verdade, em induvidosa falsidade.

Na mesma trilha das diversas condenações a países europeus pela Corte Européia de Direitos Humanos, o caso Ximenes Lopes demonstra que a Corte Americana, ao entender ter havido violação aos direitos à vida, à integridade pessoal e às garantias processuais e à proteção judicial devida, dá um bom exemplo de atuação prática do direito fundamental à justiça célere e efetiva, como deseja a sociedade brasileira.

 

* Publicado: no Jornal Correio Braziliense, Suplemento “Direito & Justiça”, 02.07.2007; na Revista Jurídica Consulex, n. 258, outubro de 2007, p. 32-33. (VSO)

 

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