Artigos - Juiz Imparcial

10/ 12 /2013

Juiz Imparcial

A imparcialidade constitui atributo fundamental para o exercício da atividade do juiz. Por isso se afirma que ninguém pode ser juiz de si mesmo, sendo benéfico para a atividade judicial o magistrado manter-se presente na instrução, mas distanciado até certo ponto do conflito para que a pólvora da lide não o atinja e com isso arruíne a relação processual.

A imparcialidade sempre foi considerada necessária chegando ao extremo de se vedar qualquer movimento judicial no processo para não contaminar o julgamento.

Segundo a vetusta legislação portuguesa, o juiz somente podia decidir de acordo com a verdade sabida, ou seja, com a verdade produzida pelas partes e segundo os autos, daí a origem da célebre expressão forense: “o que não está nos autos não está no mundo”.

No processo lusitano das Ordenações, o juiz estava proibido de determinar de ofício qualquer produção de provas e a busca da verdade. Somente ao Rei competia julgar segundo exclusivamente a sua consciência.

Não podendo decidir com liberdade de convencimento, o magistrado ficava preso ao movimento das partes, que eram livres para apresentar ou não os documentos, levar ou não fatos ao conhecimento judicial, requerer ou não um depoimento ou uma perícia. Ao juiz, para manter íntegra e integral a sua imparcialidade, era defeso desconsiderar, mesmo sabendo tratar-se de uma evidente falsidade, a versão formal e os elementos trazidos pelos interessados.

No processo contemporâneo, o julgador possui ampla liberdade na apreciação dos fatos e na condução do processo a fim de lhe possibilitar a isenção na prestação da justiça.

Para preservar a imparcialidade a legislação impõe vedações legais aos magistrados e como regra proíbe o juiz de iniciar uma ação sem ser provocado. A própria Constituição estabelece os direitos e as vedações aos membros do Poder Judiciário, incumbidos de interpretar e aplicar a lei diante de um litígio.

O juiz imparcial, portanto, deve observar o primordial preceito de manter-se acima de quaisquer influências destinadas a macular um julgamento justo.

Alerte-se ser utópico o absoluto neutralismo, uma vez que a jurisdição é exercida por um ser humano, passível de sofrer influências diversas durante a sua existência, inclusive da época em que vive. O magistrado se sujeita aos estímulos da sua história de vida e de suas experiências pes­soais, de seus conceitos e de seus preconceitos, de suas angústias e de suas fantasias, de seus sonhos e de suas frustrações, de reflexos psíquicos, sentimentais, religiosos e ideológicos. Até inconscientemente as circunstâncias inerentes ao caráter são transferidas para a arte judicante, sobretudo no momento da decisão da lide.

A imparcialidade exigida pelo direito ao magistrado consiste não na conduta de comprometimento, deliberado ou desidioso com a verdade, em favor de uma das partes interessadas, e sim no escorreito mandamento de justiça.

Em princípio não é aceitável atuar como julgador aquele que presenciou diretamente fatos sobre litígio, se envolveu direta e materialmente com a questão, ordenou a prévia instauração de um inquérito policial ou participou diretamente de atividades investigativas policiais. Do mesmo modo, é vedado o exercício da judicatura em processo em que o juiz é amigo de uma das partes e se envolveu de alguma maneira direta ou indiretamente na controvérsia.

É desejável que o juiz evite a prévia troca de informações com as partes sobre o conteúdo do seu entendimento e resultado do seu julgamento antes da publicação da decisão. A não ser que sejam questões exclusivamente jurídicas, onde seja pacífica a jurisprudência ou onde haja outros precedentes seus, e que não tenha razão para modificar, o magistrado deve de alguma maneira guardar sigilo acerca da conclusão do veredicto, se favorável ao autor ou ao réu.

Serão as provas e o direito em confronto, em face dos pontos e das questões surgidas, que irão dizer, no momento oportuno, se ao pedido se deve dar provimento, se o demandado está com a razão, se o réu deve ou não ser condenado.

A fundamentação exige do magistrado a apreciação da questão sem intenção de impressionismo, de exageros, de falsas premissas, de parcialidade, de perseguição, de ofensas, de preconceitos manifestos, de ressentimentos ou intenção de impor desnecessariamente o poder ou de auferir vantagens pessoais.

Na qualidade de agente imparcial, o magistrado não pode ser precipitado no seu juízo de valor, nem desequilibrado na sua conduta, nem fazer pré-julgamentos indevidos e açodados, nem manifestar-se com impertinência, nem deixar-se levar por tendências ilegítimas ou falácias. Não condiz com o perfil da magistratura a grosseria, o desequilíbrio, a intolerância ou atitudes discriminatórias a quem quer seja o jurisdicionado, sendo missão julgadora a atuação firme, sensível e altiva.

O juiz parcial não distribui, nem restabelece o direito. Ao contrário, expõe um desacerto inconciliável com a justiça. O princípio da imparcialidade, apanágio da jurisdição, está em perfeita sintonia com a independência e com o livre convencimento. Por conseguinte, do julgador se requer a medida exata para atuar com desenvoltura, serenidade e com olhar crítico sobre as versões apresentadas.

Independência, imparcialidade e liberdade responsável são demonstradas pela conduta, provimento e decisão coerente e racional, fruto de uma visão sobre todos os ângulos do direito em disputa.

Imparcialidade não implica distanciamento do universo litigioso, mas atenção aos problemas trazidos pelas partes e aos questionamentos da lide, mediante pesquisa, participação e sinceridade nos atos.

Como se colhem dos Comentários aos princípios de Bangalore sobre conduta judicial (Brasília: CJF, 2008, p. 65): “Se a parcialidade é razoavelmente percebida, essa percepção provavelmente deixará um senso de pesar e de injustiça realizados destruindo, consequentemente, a confiança no sistema judicial”, uma vez que “a imparcialidade é a qualidade fundamental requerida de um juiz e o principal atributo do Judiciário”.

Portanto, para atender ao requisito da imparcialidade, o juiz deve ter como missão institucional e constitucional a desenvoltura e a dosagem de justiça dentro do razoável para dar o direito de forma mais qualificada e mais exatamente possível de acordo com os anseios de quem tem razão.

 

Vallisney de Souza Oliveira – VSO. Publicado tb. na Revista Prática Jurídica – Consulex, n. 93, 31 de dezembro de 2009, p. 30-31.

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