Artigos - “Conciliar é legal”

04/ 09 /2013

“Conciliar é legal”

Vallisney de Souza Oliveira*

 

Sabe-se que uma simples disputa por vaga de garagem em estacionamento, um pequeno vício de um produto ou de um serviço ou até uma banal discussão entre vizinhos ou entre correntista e funcionário de banco pode ensejar situações críticas, capazes de levar a um iter de danos psicológicos e materiais, até delitos contra a honra e contra a vida.

Quando a questão é levada aos órgãos oficiais, existem diversos modos de resolver o litígio. O principal deles é o processo judicial do qual decorre a sentença, com força suficiente para dizer quem tem razão e determinar o cumprimento do que foi decidido. Entre as formas menos comuns existe a conciliação, consistente na intervenção de um terceiro que intermedeia a discussão e o convencimento dos presentes para resolver a lide de maneira pacífica, seja pela transação, seja pela renúncia ao pedido, seja pelo reconhecimento do direito da outra parte.

A campanha nacional em favor da conciliação, iniciada no final de 2006, de iniciativa principalmente do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com apoio de diversas instituições jurídicas brasileiras, tem por slogan “conciliar é legal”.

Aparentemente soa como uma obviedade o lema utilizado por esse movimento. A conciliação é instituto posto na própria Constituição, ao estabelecer os Juizados Especiais Cíveis e Criminais (art. 98), é princípio regente do Código de Processo Civil de 1973 (art. 125), e está prevista na legislação civil, penal e trabalhista. Portanto, a conciliação é obviamente legal.

O “conciliar é legal” se torna apropriado quando é entendido muito além da exegese jurídica da expressão e aí, então, o “não-conciliar” é que muitas vezes se torna antijurídico, sobretudo quando se leva em conta alguns fatores, como por exemplo: o tempo da finalização de uma lide, as consequências para a vida dos interessados, o inconveniente do reencontro das mágoas e das questões não resolvidas e dos desaforos guardados e contidos, sem contar o tempo perdido das idas e vindas em Delegacias, Órgãos de Defesa do Consumidor, Promotorias e Judiciário.

“Legal”, numa linguagem jurídica, significa estar de acordo com o direito, estar dentro da lei, porém, segundo o uso comum, “legal” é o bom, é o bacana, é o sensacional, ou como registra o Dicionário Aurélio, em sentido popular “legal” é uma palavra-ônibus, que exprime inúmeras idéias apreciativas, tais como perfeito e excelente. Nesse sentido, sem desprezar totalmente a obviedade do significado técnico, deve-se concordar que “conciliar é muito legal”, por ter o condão de evitar a eternidade de insultos e a incessante insatisfação, mesmo após uma resolução estatal do conflito.

Não se defende aqui a resolução das controvérsias sempre pela conciliação, porque em certas questões a conciliação não é legalmente possível e/ou a decisão judicial é imperiosa para definir quem está certo ou errado, quem deve cumprir pena e quem deve reparar o dano.

Muitas vezes, mesmo nas hipóteses em que a conciliação é possível, ocorre a resistência pré-estabelecida em conciliar, principalmente dos agentes do Poder Público ou de organizações habituais em litígios, tais como grandes empresas, privadas e públicas. Mas seria “legal demais” para brevidade dos processos e para felicidade de muitos litigantes que a diretriz para a conciliação fosse uma norma de conduta incentivada por essas organizações.

Outras vezes, as propostas de conciliação não são “legais”, ou porque são evidentemente inviáveis ou porque flagrantemente injustas, sendo nesses casos muito melhor as partes esperarem uma decisão judicial definitiva, conquanto mais demorada.

Contudo, quando há propensão para a paz imediata dos conflitantes e quando há comprometimento e disposição em prol da melhor solução, as partes envolvidas ganham muito, embora perdendo um pouco, ficam bastante satisfeitas, embora não obtendo tudo aquilo que foi inicialmente pretendido. Por isso se diz que quando ocorre o sucesso numa audiência de conciliação todos saem satisfeitos, podendo-se imaginar no rosto dos transatores o estado de felicidade levada a cabo com um componente de união e de paz.

O sucesso da conciliação depende realmente da consciência, tanto das próprias pessoas em litígio, quanto de advogados, juízes, procuradores e defensores, de que “conciliar é ótimo”. Acima de tudo, o bom senso determina quando “conciliar é legal”, pois, mais do que ser legal, toda conciliação precisa encontrar-se de acordo com a sensação de que a justiça foi feita.

* Publicado: no Jornal Correio Braziliense, Suplemento “Direito & Justiça”, 04.06.2007; na Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, n. 8, ano 19, agosto de 2007, p. 77-78. (VSO)

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