Artigos - A Mediação nos Estados Unidos e no Brasil

10/ 10 /2013

A Mediação nos Estados Unidos e no Brasil

Conquanto o nosso direito seja centrado no sistema Civil Law continental-europeu (romano-canônico), todas as Constituições Brasileiras Republicanas contemplaram institutos do sistema do Common Law. Assim ocorreu com o mecanismo brasileiro de controle de constitucionalidade das leis e com os nossos writs (tais como o habeas corpus) originários do Direito anglo-saxônico. A Constituição de 1988 reproduziu o Due Process of Law e introduziu a súmula vinculante (EC n. 45/2004), esta um pouco semelhante com o stare decisis dos Estados Unidos.

Em 1984, o modelo small claims Court utilizado em Nova Iorque foi copiado no Brasil com a edição da Lei dos Juizados de pequenas Causas (Lei n. 7.244/84) reproduzida na parte cível pela vigente Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95).

Em 1996 o modelo de outros países, inclusive Estadunidense, inspirou a remodelação da nossa arbitragem (Lei n. 9.307). Também presenciamos a entrada no Brasil da experiência Norte-Americana denominada amicus curiae. O friend of Court se disseminou em processos do Supremo Tribunal, nos julgamentos de uniformizações de jurisprudência dos Juizados Federais e no julgamento único concentrado dos recursos especiais repetitivos no Superior Tribunal de Justiça, além de outras experiências brasileiras do novel instituto.

Outra experiência Americana bastante difundida, a mediação de conflitos civis, adotada com sucesso nos Estados Unidos há mais de 40 anos, também se prepara para ser introduzida no Brasil, via legislativa. É o que pode acontecer, entre outras tentativas, com o Projeto de Lei n. 94/2002, oriundo da Câmara dos Deputados, modificado no Senado em 2006 e em trâmite para votação definitiva na Câmara.

A mediação é uma ótima forma de composição de litígios caracterizada pela intervenção de um terceiro (mediador), que conduz as partes ao diálogo para que elas próprias encontrem a solução para seus litígios.

O eminente advogado americano Fred S. Souk, em conferência no Conselho da Justiça Federal, Brasília, em 17/09/2008, afirmou que essa forma de resolução de conflitos civis se tornou obrigatória e necessária nos Estados Unidos. Lá está estabelecida num programa privado e em programas de tribunais federais, estaduais e locais. Para esse renomado jurista, que auxiliou na implantação do sistema de mediação da Romênia, inicialmente a mediação americana era uma necessidade reconhecida pelos próprios tribunais, embora ainda hoje, conquanto tenha havida grande evolução, são feitas ainda muitas reflexões quanto às consequências da obrigatoriedade imposta pelas Cortes.

Objeto de Projeto de Lei no Congresso Nacional a mediação (paraprocessual) brasileira se divide em judicial e particular, em prévia e incidental e, tal qual nos Estados Unidos, teria caráter obrigatório.

A finalidade do Projeto de Lei n. 94/2002 é o alívio dos tribunais dos excessos de ações judiciais e ainda a instauração, de forma radical, de uma nova concepção de justiça, não mais centrada quase exclusivamente nos julgamentos dos juízes, mas sim primordialmente na resolução do conflito por um mediador para a obtenção de um acordo.

É possível prever que a lei refletirá sobremodo na sociedade civil, dado que o cidadão e as empresas terão de se submeter primeiro ao mediador particular ou nomeado pelo juiz, para somente depois haver ingerência do Judiciário. Muitos apontarão inconstitucionalidade nessa obrigatoriedade da mediação em face do principio constitucional de que nenhuma lei poderá proibir o livre acesso do cidadão à jurisdição.

Outra barreira presumível é a nossa cultura de confiar no juiz como mediador fundamental do conflito. Grande parte da população brasileira acredita no Judiciário e na autoridade do juiz, com muito mais razão agora com o esplendor dos Juizados Especiais onde pessoas não precisam contratar advogados nem pagar custas para procurar seus direitos na Justiça.

A propósito, tome-se como exemplo, ainda sob a ótica do acesso à justiça, a remodelação da arbitragem no Brasil que, a partir de Lei n. 9.307/96, adquiriu uma força enorme, à maneira do modelo arbitral praticado nos Estados Unidos e em outros países.

O ilustre professor Arnoldo Wald (em Palestra na Escola Paulista de Magistratura, www.epm.sp.gov, Notícias de 14/08/2007) destacou que a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara do Comércio Internacional, em 1996, havia registrado apenas 2 casos de partes brasileiras e em 2006 havia recebido 67 casos envolvendo partes brasileiras. Em compensação, segundo o ainda o insigne professor, o Brasil é o país que mais publicou trabalhos jurídicos acerca da arbitragem: em dez anos foram publicados 120 livros, o que corresponde a mais de mil artigos, inclusive em língua estrangeira.

Além disso, segundo reportagem da Revista Consultor Jurídico, de 07/07/2007, a Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem do CIESP-SP, desde 1995 quando foi criada, recebeu 84 mediações e arbitragens. E a Câmara de Arbitragem da BOVESPA/SP, de 2001 até 2007, somente recebeu 3 casos de arbitragem. Em suma, até agora, o grande interesse acadêmico pela arbitragem não foi acompanhado pelo mesmo interesse das partes em lide.

Esse é apenas um exemplo de realce da questão cultural no nosso país, da onipresença do juiz, ainda demasiadamente procurado e considerado como o maior pacificador de conflitos, apesar de todas as dificuldades por que sofre a estrutura judiciária brasileira.

Ao contrário da arbitragem, a mediação prevista no aludido projeto de lei será bastante eficaz, uma vez que, ao ingressarem na Justiça, às partes necessariamente será concedido prazo para a tentativa de resolução da controvérsia por meio da mediação, quando então será escolhido um mediador particular ou ligado ao aparato judicial. Além disso, inexistindo tentativa de mediação prévia, o juiz suspenderá o processo judicial a fim de que, paralelamente, um mediador conduza a mediação visando ao fim da demanda.

Nos Estados Unidos a mediação obrigatória pelos tribunais deu certo. Aqui, a lei da mediação será muito importante para um melhor modelo de solução de conflitos, todavia, quanto ao seu caráter de obrigatoriedade, se adotado, somente o tempo dirá do seu sucesso ou do seu fracasso.

 

Vallisney de Souza Oliveira (VSO). Publicado: no Jornal Correio Braziliense, Suplemento “Direito & Justiça”, 13.10.2008; na Revista Jurídica Consulex, n. 283, outubro de 2008, p. 13.

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