Artigos - A Ética do Advogado

23/ 09 /2013

A Ética do Advogado

Multiplica a consciência popular de que são necessários meios para que sejam mantidos os valores morais, não apenas no Direito, mas em toda e qualquer Ciência, com reflexos para todas as profissões e atividades. Nos procedimentos públicos, tais como administrativo, tributário, apreciação de contas, disciplinar e policial, e ainda na atividade política e governamental, a ética deve ser a tônica, caso contrário podem ser graves as consequências de uma tomada de decisão viciada, manipulada e em prol de interesses escusos em vez de interesses legítimos.

É intolerável um cenário em que os sujeitos envolvidos estão comprometidos com a solércia, com a mentira, com a corrupção, com a cobiça, com o atropelo à retidão e com o desvio da finalidade pública. A prática viciada e censurável dos operadores do Direito acarreta a desconfiança do cidadão nos advogados e nos juízes, assola anseios de justiça dos novos bacharéis em direito e acomoda quem vivencia um sistema corrompido.

O exercício profissional do advogado, essencial na proteção de direitos desde as eras mais remotas, encontra na moral e na transparência essencial esteio. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, instituição que dignamente representa os advogados, sempre exerceu um importante papel na defesa da classe e também na cobrança de atitudes corretas de seus membros e de todos agentes públicos.

No Código de Ética do Estatuto dos advogados se assentam preceitos que em geral são obedecidos por esses profissionais; os poucos que os descumprem se sujeitam ao julgamento pelo Tribunal de Ética e Disciplina da referida Ordem, por desvio de conduta, entre outras transgressões profissionais.

Além de inserir-se em diversas atividades extrajudiciais, o advogado recebe autorização para representar o litigante no processo. O processo, administrativo ou judicial, é via condutora de justiça pelo Estado e, portanto, como instrumento público não pode ceder lugar para atitudes atentatórias aos valores de retidão.

A atuação do advogado, exercida com liberdade e independência, não pode deixar de servir também para a busca da verdade no conflito, razão pela qual a eventual desonestidade, a má-conduta em juízo e a erronia deliberada devem ser prevenidas e combatidas, até mesmo pela repercussão da atividade advocatícia no estado democrático de direito.

A obediência ao princípio da boa-fé tem sua razão de ser na entrega da justiça para quem dela anseia e merece, não para quem engana, tripudia, foge de responsabilidades ou fere direito alheio. Portanto, os deveres éticos dos advogados são exigências necessárias para um processo justo e útil e a grande maioria tem consciência disso.

Mesmo visando à proteção de interesses e de direitos subjetivos, a defesa da causa precisa estar de acordo com a lei e com a Constituição. Entretanto, apesar do comum paradigma moral de incensuráveis advogados, sabe-se que um reduzido número ainda desrespeita a ética, dentro e fora do processo, como ainda é comum em outras atividades profissionais, inclusive na magistratura, no ministério público e no funcionalismo público.

No Direito brasileiro colonial e imperial, segundo autores antigos, não era raro alguns defensores de causas cometerem chicana e os leguleios praticarem verdadeiros golpes de mestre para ludíbrio do juiz ou para o cumprimento de ordens judiciais, alongando-se por décadas o fim do processo.

Ainda hoje, como se pode constatar nos procedimentos disciplinares nos Tribunais de Ética de diversas Seccionais da OAB, é notório que alguns poucos advogados ainda atuam com indignidade e cometem infrações: introduzem no processo fatos sabidamente falsos; produzem prova testemunhal mentirosa; suspensos ou impedidos exercem clara ou sorrateiramente a advocacia; apresentam fundamentos impróprios nos seus arrazoados; levantam valores dos autos, mediante alvará e não repassam aquilo que é devido ao cliente; fazem acordos em seu próprio benefício, com prejuízo da parte que representam, se valendo dos poderes recebidos; recebem honorários antecipadamente, mas deixam de fazer o devido trabalho judicial ou abandonam injustificadamente o patrocínio; extorquem pessoas, coagem testemunhas, falsificam documentos, enfim, cometem delitos de diversas espécies no exercício de tão nobre mister; mantêm um relacionamento profissional indevido e espúrio com a parte contrária; tentam negociatas com juízes e funcionários dos cartórios judiciais e extrajudiciais. Essa minoria faz, em síntese, o que não é recomendado pelo seu Código de Ética, o que compromete a imagem da classe, sobretudo em razão da importância da advocacia na sociedade.

Na relação com o seu cliente, o advogado tem a obrigação, sempre que possível, de: esclarecer que a máquina pública e judiciária não pode servir para fins imorais ou estranhos ao interesse legítimo da parte buscado em juízo; informar que o papel do juiz deve ser de isenção total; dizer que o trabalho do causídico se pauta dentro da licitude, chave para a manutenção da sua atividade, da sua honra e de seu bom nome; destacar que é função do advogado também denunciar a litigância de má-fé e a corrupção, de quem quer que seja e que o ministério público, como fiscal da lei, pode promover medidas visando à punição e à prevenção de condutas contrárias ao direito, inclusive tomando medidas criminais; frisar que o magistrado tem poderes para coibir os atos contrários à verdade e as tentativas de enganar a Justiça, advertindo e aplicando sanções; salientar que existem outros meios no ordenamento jurídico aptos a afastar qualquer atentado ao livre e escorreito caminhar do processo e à busca da verdade real nos julgamentos; deixar claro que o advogado digno trabalha com responsabilidade objetivando fazer triunfar a vitória a quem tem razão e que não existe solução mágica a ser imposta, nem armadilha a ser posta, nem decisão a ser comprada.

No cumprimento do seu mandato judicial o advogado não necessita de ardis, visando a inserir-se no mercado de trabalho ou a angariar mais clientes, mas de preparo e aprendizado profissional para o bom uso dos meios técnico-jurídicos.

É imprescindível a proliferação da cultura da probidade em todas as atividades e nesse ponto não se pode menosprezar que muito influencia a conduta exemplar e transparente da grande maioria dos profissionais da advocacia, tanto no foro, como na relação com o cliente e com os demais órgãos e pessoas.

Além dos exemplos dos próprios advogados, os professores de direito e outros agentes de transformação da ciência jurídica possuem também a incumbência, em cada lição e em cada oportunidade que travam com futuros ou aspirantes a advogados, de reiterarem a necessidade de um comportamento profissional responsável e ético, anteparo maior para quem pretende realizar, defender e contribuir para a justiça.

Em preciosos mandamentos aos advogados, o jurista Eduardo Couture ponderava que o advogado deve procurar considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que o seu filho lhe pedir um conselho sobre seu futuro profissional, considerará uma honra aconselhá-lo a se tornar advogado.

 

Vallisney de Souza Oliveira (VSO). Publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, n. 2, ano 20, fevereiro de 2008, p. 73-74; e na Revista Jurídica Consulex, n. 271, abril de 2008, p. 42-43.

 

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