ÀBC
Tínhamos uma cidade e não sabíamos
que era nossa aventura de fantasia real,
andávamos por campos verdejantes
brincávamos de esconde-esconde
nos terrenos baldios e no quintal,
pulávamos dos barrancos,
jogávamos bola no lamaçal,
fazíamos dos morros o nosso bonde,
tínhamos uma cidade e não sabíamos
que era nossa realidade sobrenatural,
nadávamos nas águas com botos e botas,
contornávamos nas popas das canoas as ilhotas
ou remávamos nas toras dos paus e balseiros,
andávamos léguas nas matas, colônias,
tudo era nosso e de quem quisesse,
o ar era grátis, água boa de beber,
as árvores de subir, o fruto de comer,
tudo era barato, barato de viver,
o olhar a contemplar
a inocência do existir,
divertimentos a curtir,
abraços a apertar,
sem taxas de adesão,
sem vencimentos
sem sofrimentos
desses do coração,
tínhamos uma cidade,
decerto pequena,
mas de grande emoção,
para se enfiar em buracos,
para pedalar nas ladeiras,
para cavalgar a pé sem grilhões,
os aviões de papel a se lançarem
a mil conversas durante o luar
tudo era nosso e de quem quisesse
sem taxas de adesão
só a amizade no coração
lembro como era bom passear
como se flutuássemos num balão,
pessoas nos espaços e nas esferas,
brincadeiras, sorrisos, paqueras,
cabeças na chuva, alagamentos,
marchas colegiais, magníficos carnavais,
tudo era fantasia real e de quem quisesse
e não sabíamos que era o ideal paraíso
que rememoro em reducionismo
como se decrescesse em mim
um tal qual Benjamin B
esvaziando a gaveta do existir.