Palestras - Palestra 4

22/ 04 /2015

Palestra 4

Defesa na Execução Fiscal

Estimada Dra. Terezinha Rodrigues, Procuradora Chefe da Procuradoria Federal do INSS no Amazonas, muito obrigado pelo convite. É com muita satisfação que me proponho a falar para procuradores que atuam em diversos Estados na cobrança da dívida ativa previdenciária.

Devo confessar que estou há mais de dois anos afastado da área de execução fiscal em decorrência da criação de vara federal especializada (5ª Vara), neste Estado, por que daí em diante as varas federais comuns perderam a competência para processamento dos executivos fiscais. Eu atuo numa Vara Federal, a 2ª Vara, de competência civil, criminal e outras matérias, salvo execução fiscal.

Por tal motivo, faço as minhas escusas por estar longe dos problemas que assaltam a todos que militam diariamente na execução fiscal, pois sei muito bem que o processo de execução requer atenção exclusiva, vivência e prática forense especializada.

No entanto, como já tive oportunidade, antes dessa cisão e desse afastamento funcional, de refletir acerca do tema procurarei fazer algumas considerações, o que será uma oportunidade também para que eu possa atualizar-me, na medida em que se desenvolvam os questionamentos e as proposições porventura existentes.

Pretendo discorrer sobre o direito de defesa no plano constitucional e processual infraconstitucional. Em particular sobre o direito de defesa na execução fiscal e sobre os embargos e a chamada exceção de pré-executividade.

A Constituição democrática de 1988 foi firme ao estabelecer o princípio do devido processo legal. Não ficou somente nisso. Foi além ao estabelecer detalhadamente garantias dessa cláusula, entre as quais o contraditório e a ampla defesa.

Todos os participantes do processo, magistrados e partes etc. devem homenagear o due process of law que, por sua vez, implica no direito de defesa.

A rigor, nem seria preciso o Poder Constituinte de 1988 ter detalhado os direitos processuais constitucionais; bastava ter estabelecido a cláusula do devido processo legal, sem precisar esmiuçá-la, como é o caso de algumas outras Constituições estrangeiras. Ou ao contrário ter detalhado todos os direitos processuais específicos sem mencionar o princípio maior e genérico: devido processo legal. Mas se o fez com abundância visou a assegurar mais direitos e mais cláusulas pétreas ao nosso ordenamento jurídico.

Em qualquer processo, administrativo ou judicial, é direito da parte o conhecimento claro do pedido e da pretensão da outra parte, e de qualquer decisão, e o ouvir e o ser ouvido, dentro da dialética procedimental. O juiz, como o primeiro fiscal do devido processo legal, tem o dever de dar cumprimento a tais enunciados.

O contraditório é a regra impositiva de alguém ser ouvido contra as pretensões que lhe pretendem impor, de poder apresentar refutações, de poder ter conhecimento e oportunidade de levar ao juiz sua versão dos fatos. Liga-se intimamente ao princípio da igualdade, sendo indevida a produção unilateral do processo.

O contraditório impõe a necessária oitiva do litigante, ou pelo menos sua ciência, sobre os atos processuais, seja para consentir ou dissentir, seja para impugnar ou concordar.

Desse modo, o contraditório se caracteriza pelo direito de ser informado do processo e de ter oportunidade de manifestar-se sobre os atos praticados, bem como contestá-los.

A ampla defesa abrange o conhecimento e acompanhamento dos atos processuais, defesa técnica, direito de produzir prova. O contraditório implica oportunidade de ser ouvido o interessado para manifestar-se sobre o fato ou o direito pelo outro argüido.

Como está posto na Constituição, pode-se dizer que o devido processo legal e seus corolários, o contraditório e a ampla defesa, inserem-se em quaisquer formas de processo, civil, penal, trabalhista, ou administrativo, de conhecimento, cautelar ou de execução. Resta saber em que medida, especificamente no processo de execução incide o contraditório e a ampla defesa.

O direito de reagir era conhecido historicamente como exceção, mas no nosso modelo processual civil atual esse conceito ficou mais restrito, de modo que em sentido lato, exceção equivale a qualquer forma de defesa da parte.

A possibilidade de reação, de resposta, é a defesa do réu, devendo-se preferir ao termo exceção, em sintonia com o conceito do último instituto, como dado pelo sistema processual brasileiro atual.

A defesa, quanto à forma, pode ser chamada de contestação e exceção, sendo a reconvenção uma maneira de contra-ataque, ou melhor, defesa por meio de ação.

As exceções, para os fins do CPC de 1973, ficaram restritas a defesas de conteúdo instrumental e dilatório, que são as exceções de incompetência relativa, impedimento e suspeição.

A exceção se caracteriza por ser uma forma de defesa pela qual, mesmo que não se refute diretamente o pedido, alegam-se outras questões capazes de declarar nulo o processo, postergando-se assim o julgamento da causa.

A defesa pode ser também substancial ou processual. A defesa substancial ou de mérito volta-se contra a própria pretensão do demandante, o litígio ou seu pedido; a defesa processual, que por lógica antecede a defesa de mérito, refere-se a condições da ação e a pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo e também as exceções dilatórias (exceção de incompetência relativa, de impedimento e de suspeição).

Findos esses conceitos voltemos nossa atenção para a execução fiscal, que tem por base o título da Fazenda Pública, na qual conste a dívida tributária ou não tributária, nos termos da Lei 6.830, de 1980.

O processo executivo fiscal, espécie que é do processo de execução civil, configura uma forma utilizada pelo Estado na prospecção de seus fins, mediante atos de força e de apropriação do patrimônio do executado para o pagamento da dívida tributária.

Por conseguinte, ao mesmo tempo em que a Fazenda utiliza a cobrança forçada junto aos contribuintes, não pode furtar-se de utilizar os meios legais que lhes foram deferidos pela Legislação processual tributária. Daí se poder afirmar que a execução fiscal garante ao executado o direito de não sofrer constrição em seus bens, por parte da Administração, de maneira diferente da prevista em lei.

Para cobrar coativamente seus créditos com os meios disponíveis, o Poder Executivo brasileiro vai ao Judiciário em busca da almejada tutela, tudo dentro do devido processo. Diferentemente de alguns outros países. A Espanha possui a execução fiscal administrativa e excepcionalmente a Judicial. Em Portugal a execução inicialmente é administrativa e somente diante do inconformismo da cobrança o interessado interpõe as oposições junto aos tribunais tributários portugueses, quando então os autos do executivo tributário são encaminhados para o juiz tributário a fim de se processar a oposição, de terceiro ou do executado.

A nossa execução fiscal se embasa no documento que possui a Fazenda Pública, título com alto teor de juridicidade e probabilidade no direito, que lhe autoriza a promover a execução forçada desde que se faça por meio do Judiciário e com respeito às garantias constitucionais do contribuinte.

As características do processo de execução fiscal são notórias pelo fato de ter o Fisco-exeqüente um documento dotado de juridicidade e presunção de certeza. Naturalmente, essa situação põe o executado em uma posição menos confortável juridicamente, já que é instado a pagar a dívida ou opor defesa à cobrança.

Inscrito na dívida ativa o crédito tributário, deve o Poder Público seguir as regras procedimentais que estão à sua disposição junto ao juízo executivo fiscal competente.

Após analisar petição executiva inicial, o juiz profere despacho determinando providências necessárias para realizar o devido processo legal, dentre as quais a penhora e o arresto.

Não sendo feito o pagamento da dívida, quando são encontrados bens penhoráveis também se faz uma avaliação judicial. Realizada a penhora e com a manifestação da Fazenda Pública, começa, em regra, a fase do leilão, pelo qual são levados os bens penhorados à venda, a fim de ser dada a satisfação do crédito da Fazenda Pública.

O executado também tem oportunidade de defender-se. Tal defesa se efetiva, pela sistemática da Lei 6.830, de 1980, com os embargos, que devem ser processados como ação autônoma. No entanto, isso não significa que o executado não possa exercer seu direito de defesa também dentro da via executiva fiscal.

Não é somente pelos embargos que se faz a defesa, pois a informação e o ato de acompanhar a execução fiscal, bem como de propor exceções processuais e até mesmo de promoção de ações paralelas também atendem à ampla defesa. Aliás, mesmo antes de formado o título executivo da Fazenda Pública, o contribuinte pode adiantar-se e promover ações visando a demonstrar seu direito ou de evitar o perigo de vir a ser molestado por atos executórios fiscais.

A certeza jurídica presuntiva do Poder Fazendário não pode aniquilar as garantias constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, sob pena de inconstitucionalidade.

Deve-se dar informação e oportunidade para o contribuinte refutar os vícios processuais pela via mais apropriada, sem que isso signifique um cheque em branco para protelações e uso da máquina judiciária a serviço da inadimplência e da injustiça contra o Fisco, o que equivale à injustiça contra o estado democrático de direito. Isso porque muitos acabam pagando tributos corretamente enquanto outros se esquivam de seus deveres de cidadãos contribuintes em prejuízo da sociedade.

Disso deflui a imperiosa e necessária citação do executado fiscal para que tome conhecimento da cobrança e ou pague a dívida. A sua defesa normal é a interposição da ação de embargos, meio legal de defesa e ataque ao título executivo. Igualmente é lícito mover outras ações contra a cobrança judicial.

Nada impede que a pessoa executada pelo Fisco possa, diretamente, provocar incidentes no próprio processo e participar de todos os atos executivos. Tem o direito também de ser intimado da realização da hasta pública entre outras etapas procedimentais onde a lei permita a sua participação, tais como pedir a redução da penhora, impugnar a avaliação do bem, apontar as exceções de suspeição ou impedimento de avaliadores e auxiliares do juízo.

Como se afirmou, o contraditório e a ampla defesa se realizam no próprio processo de execução, mas esta última incide por meio dos embargos do executado fiscal.

Nesse ponto a Lei de Execução Fiscal prevê regras específicas sobre os embargos à execução, mas deixa espaço para aplicação subsidiária do CPC. No que diz respeito aos embargos à arrematação, à adjudicação e aos embargos de terceiro, nada previu a Lei 6.830, dando lugar à aplicação subsidiária do Estatuto Processual de 1973.

Os embargos executórios constituem ação proposta pelo executado a fim de elidir ou ilidir a execução movida pela Fazenda Pública. Por meio dela, o executado pretende desconstituir o título executivo da entidade pública, argumentando alguma causa ou motivo, especialmente a fim de infirmar a pretensão fazendária de cobrar o seu crédito.

A ação de embargos tem natureza cognitiva, na qual o autor embargante irá discutir o que lhe é, em princípio, vedado na via restrita do processo executivo fiscal, cujo alvo é a prática de atos executivos tendentes à satisfação dos direitos do Poder Público.

A execução fiscal também pode sofrer os impactos da reconvenção e de exceções. Ressalte-se, porém, uma forma hoje muito usual de combate à execução, que é a denominada exceção de pré-executividade.

Nem o Código de Processo Civil nem a Lei de Execução Fiscal criaram, no âmbito do processo executivo, um modelo completo de defesa direta do devedor com o escopo de combater os atos judiciais, eliminar o título ou elidir a execução.

A defesa intraprocessual se dá com o acompanhamento do executado para verificar se o procedimento fiscal está dentro da legalidade, por força dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Essa defesa se faz não apenas na possibilidade de acompanhamento e fiscalização dos atos processuais, mas ainda na resistência contra os abusos do exeqüente, por meio de requerimentos e provocações ao juízo.

Com um simples requerimento da parte executada, sem necessidade de que os bens fiquem penhorados, após ouvir o fisco-exeqüente, o juiz acolherá ou negará o pedido do excipiente.  Acolhendo, o magistrado dará por extinto o processo executório fiscal, com ônus para este. Se rejeitar, o processo executivo continuará seu curso normalmente.

A exceção pré-executiva constitui resposta simples e prática para a execução fiscal flagrantemente ilegal ou abusiva, ou quando é voltada para parte ilegítima, quando há impossibilidade jurídica do pedido ou ainda na hipótese de falta de pressuposto ou outros vícios impeditivos do regular andamento do processo.

Em regra o executado alega na pré-executividade fiscal uma matéria de ordem pública, como a falta de uma das condições da ação executiva fiscal ou a falta de requisito processual de validade.

Por não ter forma nem moldura legal, mesmo se tratando de exceção ou matéria de mérito, como pagamento ou prescrição, estando essa prova juntada com a petição do excipiente, e não havendo dúvida alguma, o juiz pode suspender o processo executivo fiscal e, ao decidir, acolher o pedido para fulminar a indevida cobrança da Fazenda Pública.

Em homenagem ao princípio do contraditório e a outros princípios circunvizinhos, assentados na Constituição, a Fazenda Pública exeqüente não pode deixar de ser ouvida, logo após a propositura da exceção de pré-executividade fiscal e antes da decisão judicial.

O ato judicial que rejeita essa forma de defesa é decisão interlocutória, porque a execução fiscal terá prosseguimento. Mas, a decisão que a tem como procedente, pondo termo final ao processo executivo, possui natureza de sentença.

Se na apreciação, sem oitiva da parte contrária, a exceção for rejeitada imediatamente, cabe ao executado, ainda, a via dos embargos, se isso ainda for possível, nos termos da Lei de Execução Fiscal, ou mesmo o agravo contra a decisão interlocutória de rejeição.

Essa defesa executiva é anormal, uma vez que normal é a interposição dos embargos. Não pode comportar dilação probatória, porque o devido processo legal prevê a via da ação de embargos do executado. Por conseguinte, em princípio admite-se somente a prova documental já produzida com a inicial ou com a resposta do executado.

Em caráter não usual se admite a exceção, desde que se faça produção de prova apenas documental e sem necessidade de dilação, de matérias alheias aos pressupostos processuais e condições da ação. Tem-se como exemplo as alegações em exceção pré-executiva da prescrição, da decadência e da realização do pagamento, desde que de plano a matéria alegada possa ser conhecida pelo magistrado, com o mínimo ou nenhuma dúvida de sua parte quanto ao teor de sua decisão.

Se houver necessidade de dilação probatória o juiz não deve admitir a exceção.

A exceção de pré-executividade fiscal tem a vantagem de ser instrumento informal, simples, célere e econômico. Não exige o pagamento de custas e se conduz por meio de um singelo requerimento do executado, com o qual impugna a pretensão executiva da Fazenda Pública. Contudo, havendo sentença cabe condenação em honorários advocatícios em favor do contribuinte, por força do artigo 20 do CPC.

A via da exceção de pré-executividade fiscal é instrumento adequado e efetivo quando se nota de plano que o ato mecânico do Fisco de inscrever o débito em dívida ativa não corresponde à realidade, seja porque a dívida não existe, seja porque facilmente são notados profundos vícios que prejudicam a constrição de bens e o êxito na execução.

Após a negativa da exceção de pré-executividade, no momento apropriado o contribuinte pode ainda interpor os seus embargos contra a execução. Mesmo findos estes, em relação a fatos posteriores, a via da exceção pré-executiva pode ser usada para impugnar atos executivos flagrantemente ilegais e abusivos.

Por fim, além dos meios tradicionais de defesa, previstos ou não em lei, não se pode esquecer de algumas ações do contribuinte contra o Fisco, como forma de defesa em face da cobrança executiva.

O artigo 38 da Lei 6.830, de 1980, acolheu outros mecanismos de garantia do contribuinte. A discussão sobre o crédito tributário ou a dívida ativa da Fazenda Pública pode se realizar por meio de ações tributárias, sem que seja inibida, em princípio, a pretensão do Fisco pelo simples movimento da máquina Judiciária.

Desse modo, antes ou depois de sofrer uma execução, o interessado pode acionar o Fisco visando abolir o crédito no seu nascedouro ou extinguir o executivo fiscal ou a exação.

Essas ações defensivas se propõem a atacar diretamente o título executivo ou mesmo o crédito tributário da Fazenda e se apresentam como uma garantia da pessoa contribuinte contra o Poder Público.

As ações a serem utilizadas paralelamente ao processo de execução fiscal são inúmeras, algumas autônomas e independentes, como a ação de embargos de terceiros, outras autônomas e incidentais, como a ação de embargos à execução. A parte pode propor ação declaratória, ação de consignação em pagamento, ação de repetição de indébito e ação de prestação de contas, dentre outras.

Ao rol das ações expressamente previstas na Lei de Execução Fiscal ainda podem ser acrescentadas outras.

Sem pretender ser exaustivo, por causa da prodigalidade de ações civis contra os atos executivos fiscais, como instrumento de defesa, posso mencionar as seguintes ações que proliferam no ordenamento processual e na jurisprudência: embargos do devedor; embargos à adjudicação e à arrematação; embargos de terceiro; ação cautelar; ação declaratória; ação rescisória, quando a execução é extinta, após os embargos de mérito; ação anulatória, no caso de execução sem embargos de mérito; ação de consignação em pagamento, de pouca eficácia, haja vista a cobrança da dívida ativa em nada ser alterada com o advento da consignatória.

Além do uso dos embargos e do exercício do contraditório e demais atos de defesa no interior da execução, inclusive, em caráter excepcional, a exceção de pré-executividade, o contribuinte ainda pode promover ações fiscais conta a Fazenda Pública.

Estes são, em resumo, alguns aspectos da defesa do contribuinte em juízo que reputo relevantes. Muito obrigado pela atenção.

 

 

* Vallisney de Souza Oliveira (VSO). Palestra proferida na “V Jornada Nacional da Dívida Ativa e da Cobrança Judicial” MPAS/INSS. Manaus, 17.10.2001.

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