Palestras - Palestra 12

24/ 02 /2016

Palestra 12

Nova Execução Extrajudicial*

Emérito professor José Russo, Coordenador de Pós-graduação da Faculdade de Direito e demais organizadores deste Ciclo de palestras da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas. Louvo a iniciativa de reunir a comunidade jurídica para tratar das reformas processuais civis que afetarão sobremodo direitos e deveres dos cidadãos e ainda as relações comerciais e de consumo.

Considero um dos assuntos mais importantes da reforma o da nova execução extrajudicial, objeto do Projeto de Lei 4.497, de 2004, proveniente da Câmara dos Deputados, em curso no Senado Federal.

Na realidade, sabe-se que a execução ainda está dotada de pouca efetividade, considerando os inúmeros meios de fuga à disposição do devedor nos labirintos da via judicial executiva.

As regras executivas em vigor estão longe de atender ao devido processo, porque os males da demora e da ineficácia das normas constantes do Livro II do CPC tornam o sistema de cobrança irracional e pouco prático.

A satisfação pela via executória implica restabelecimento efetivo do direito violado do credor. Salvo se, na oportunidade da defesa executiva, ficar provado que o exeqüente não merece receber a tutela, o Estado-juiz irá substituir a vontade do credor e praticar atos jurídicos aptos a entregar o bem de vida pretendido a expensas do devedor. Nesse caso, a execução terá seu término com o cumprimento forçado do direito e da obrigação.

A tutela jurisdicional executiva implica acolhimento e entrega do bem jurídico ao exequente, tanto quando o vencido não cumpre espontaneamente o que foi determinado na sentença, quanto em razão de seu inadimplemento referente ao título executivo extrajudicial.

É muito conhecida a inquietude da população e dos órgãos governamentais com a morosidade do Judiciário. Quanto ao aspecto civil, chega-se fácil à conclusão de que o Código Processual de 1973, na sua versão original, há muito não servia como instrumento hábil e único para almejar essa nova aspiração da Justiça, produto cada vez mais exigido pelo consumidor dos serviços judiciários.

Viu-se então a necessidade de se fazer com que o processo pudesse dar à parte os benefícios necessários condizentes com a função estatal de julgar e de administrar a justiça.

Procura-se nesta nova Fase por que vive o direito brasileiro e mundial o processo civil de resultados, sob o esteio da instrumentalidade e da efetividade, voltando-se a atenção para o contribuinte da justiça. Pretende-se eliminar o processo executivo do extremo formalismo e da alta taxa de ineficiência e lentidão. Eis as razões para as contínuas reformas, sendo agora a vez da execução extrajudicial.

Reputo que devem ser evitadas, de fato, as reformas açodadas e casuísticas dos Códigos. De todo modo, não se pode deixar de louvar as reformas no processo de execução destinadas a contribuir para melhorar a justiça civil e o CPC de 1973, este bastante desatualizado na sua edição originária.

Em 22 de dezembro de 2005 foi editada a Lei 11.232, sobre o cumprimento da sentença, que suprimiu o processo autônomo de execução de título executivo judicial e substituiu os embargos executórios pela impugnação.

Além da Lei 11.232 presenciamos a edição de algumas Leis referentes ao processo civil. A Lei n. 11.187, de 19 de outubro de 2005, que adotou como o agravo retido e tornou irrecorrível a decisão do relator que converte o agravo de instrumento em retido. A Lei n. 11.276, de 07 de fevereiro de 2006, que deu poderes ao juiz para não receber o recurso contra a sua sentença, quando a apelação estiver em sentido contrário à súmula do STF e do STJ, além de outros pontos. A Lei 11.277, de 07 de fevereiro de 2005, que admitiu a sentença de improcedência do pedido liminar, sem oitiva do réu, quando denegatória, com base em precedentes, mais precisamente em sentenças repetitivas em matéria de direito. A Lei 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que tratou genericamente de algumas partes do processo de conhecimento, como a possibilidade de implantação de meios eletrônicos de comunicação, a possibilidade de pronúncia de ofício da prescrição de direitos disponíveis, entre outros preceitos que dão mais poderes e mecanismos de aceleração ao órgão jurisdicional.

Ainda não foi finalizado, infelizmente, o trâmite no Congresso Nacional do Projeto atinente ao processo de execução de título extrajudicial e está em curso e discussão o anteprojeto de Lei sobre o processo de execução fiscal e também existe uma sinalização para futuro anteprojeto de execução contra a Fazenda Pública. Ou seja, um bloco de projetos a serem enviados pelo Ministro da Justiça ao Congresso Nacional.

Interessa-nos aqui o projeto de Lei 4.497, de 2004, que visa a modificar a execução de título extrajudicial contra devedor solvente, modificando regras do CPC de 1973.

O Projeto de Lei de execução extrajudicial é muito melhor do que as regras atuais do CPC. Deve ser elogiada a qualidade, a técnica apurada e algumas novidades fruto da experiência de outros países, inclusive.

A nova execução de título executivo extrajudicial apresentará alguns instrumentos legislativos visando a evitar ou pelo menos a atenuar problemas tormentosos. Hoje a falta de efetividade chega às raias da irracionalidade, uma vez que o titular de um título se sujeita ao demorado processo executivo, amiúde suspenso por embargos e enleado de recursos e mais recursos, além da inoperância de regras dispostas ao cumprimento final da sentença como pagamento ou a realização da praça ou leilão.

O projeto de execução extrajudicial procura atender ao princípio da economia processual, traz inovações e traduz legítimas aspirações. Entre os pontos essenciais acentuam-se os tópicos referentes à penhora, à impenhorabilidade, à hasta pública e aos embargos executórios.

Trata-se de atualizações profícuas e dinâmicas com o escopo de proteger efetivamente o credor. Pode-se notar que em alguns pontos este projeto fica no meio termo: se por um lado não massacra o devedor, por outro lado não o deixa numa situação confortável e de desleixo em relação ao débito judicial, principalmente o grande devedor.

Nem tanto ao igapó, nem tanto à terra firme!

É certo que em alguns pontos poderia o projeto ser mais avançado e mais favorável ao crédito como nas regras de impenhorabilidade.

Até para se dar efetiva plenitude à Lei 11.232, de 2005, que trata do cumprimento da sentença, a aprovação do Projeto da nova execução de título extrajudicial é fundamental. É fundamental, porque quando ineficazes os mecanismos dispostos no art. 475 e seus incisos e parágrafos, do CPC, a execução deverá ser por quantia certa contra devedor solvente e os atos executivos previstos na reforma viriam substituir o sistema atual, ineficiente e complexo.

Um dos pontos basilares da reforma executiva centrou-se na precisa divisão entre execução de título judicial e extrajudicial, esta com mais autonomia do que a primeira espécie e regida por regras próprias.

A execução extrajudicial por quantia certa contra devedor solvente se modificará bastante ao ser provado o Projeto 4.497, de 2004.

A ação executiva por título extrajudicial continuará sendo autônoma, tendo ainda por finalidade a satisfação de um direito declarado ou com alto grau de probabilidade do exeqüente contra o executado. Compreenderá ainda atos executivos visando à expropriação dos bens que estão na esfera do demandado para entregá-lo ao exeqüente, com necessária transformação fática da relação entre credor e devedor.

O título extrajudicial continuará a prescindir do processo de cognição, pois contém executoriedade, até por ser título.

Enquanto na execução de título judicial o procedimento é unificado, no de execução por quantia certa contra devedor solvente, advindo de título extrajudicial, a ação de execução permanecerá autônoma e independente.

Na execução por títulos extrajudiciais não há precedência de processo de conhecimento. Para a viabilidade da ação executiva precisam estar presentes determinados requisitos próprios e específicos, como as condições da ação e os pressupostos processuais.

A instrumentalidade é a marca do procedimento executório, que visa precipuamente à satisfação de um direito tido pelo Estado dotado de presunção de verdade e apto a desencadear a constrição para cumprimento pelo responsável, que deverá saldá-lo para a plena realização do direito do exeqüente.

A ação executiva de título extrajudicial continuará abstrata, porque não se sustentará numa sentença condenatória, de mérito, reconhecedora de um direito discutido em prévio processo.

Sabe-se que o processo de execução civil de título extrajudicial constitui o somatório de atos visando à prestação da tutela jurisdicional por parte do Estado-juiz. Configura a relação processual entre o juiz e as partes com o fim da satisfação do direito já reconhecido pelo Poder Público.

No processo de execução, além de conhecer e instrumentalizar-se, o Judiciário substitui as partes, mediante atos constritivos para forçar a satisfação da obrigação por quem deve prestá-la. Como regra o processo executivo se estabelece no plano jurídico e fático, pois se converte quase sempre em atos materiais destinados a se satisfazer o direito de alguém, isto é, do provável credor.

No entanto, a nova execução civil, mesmo mantendo a sua estrutura geral será atingida em alguns pontos dos quais se falará a seguir.

Segundo o atual inciso IV do art. 600 do CPC, atenta contra a Justiça o devedor que não diz ao juiz onde se encontram os seus bens sujeitos executáveis. Esse dispositivo por si só seria suficiente para aparelhar o Judiciário na exigência de que o executado toda vez que fosse citado para pagar já nomeasse seus bens à penhora e apresentasse o rol de seu patrimônio. Todavia, para ser mais enfático e mais claro no novo artigo 600 esclarece-se que, se por um lado se trata de ato atentatório à dignidade do Judiciário a não apresentação de bens, por outro há necessidade de que o executado seja intimado especificamente para esse fim.

Com o Projeto de Lei 4.497, essa regra processual poderá tornar-se mais eficaz, com a especificação para que se possa considerar ter havido ato atentatório à dignidade da Justiça, que, na redação atual do CPC, ocorre quando o devedor “não indica ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução”. O futuro inciso IV do art. 600 considera atentado à dignidade da justiça a conduta do executado intimado, que não aponta ao juiz, dentro de cinco dias, quais são e onde estão os seus bens sujeitos à penhora e os seus respectivos valores.

Com nova regra o legislador quer tornar mais exequível tal disposição, afinada com os princípios da pretendida reforma. Não haverá dispensa da intimação do executado para dizer onde se encontram seus bens.

Vale salientar já ser uma realidade o novo sistema de localização de ativos. Muitos aqui já ouviram falar do sistema BacenJud, fruto do convênio firmado entre o Banco Central do Brasil e Tribunais, pelo qual o juiz, com o auxílio da internet ordena a constrição e a indisponibilidade dos valores de depósitos bancários do executado.

Essa hipótese é admitida, sobretudo quando houver urgência e nesse ponto é inegável a eficiência de tal sistema, que deverá aprimorar-se a fim de atender plenamente o devido processo legal, tal como respeito à impenhorabilidade de bens.

O art. 615-A constante do Projeto da futura Lei de execução extrajudicial, o PL 4.497, de 2004, encerra outra novidade. No ato da distribuição da sua ação, o exequente poderá ter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, para o fim de averbação junto ao cartório imobiliário, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. Será considerada fraude à execução a alienação de bens efetuada depois da averbação.

A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao credor providenciar, sem prejuízo da imediata intimação do executado e visando à presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.

Cuida-se de mais uma possibilidade de caracterização de fraude, a praticada pelo executado que alienar bens não tendo outros para garantir a execução, havendo anterior registro pelo credor.

A certidão para fins de averbação é importante, porque o exequente poderá evitar que o executado, sabendo da demanda executiva, aliene ou tente alienar fraudulentamente o bem. Daí a oportuna e útil inovação, afinada com a justiça, tanto sob a ótica do exeqüente, quanto do executado.

O Projeto de Lei 4.497 apresenta uma substancial mudança na penhora e na impenhorabilidade, principalmente nesta.

Alguns, pensando no credor, dirão que a mudança será mínima; outros, pensando no executado, dirão que o projeto é avançado.

Ressalto que o CPC vigente prevê a impenhorabilidade de diversos bens, como por exemplo, o salário, o bem de família, a pequena propriedade rural produtiva.

No referido Projeto uma grande novidade sobressai: poderá ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a mil salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele valor deverá ser entregue ao devedor, sob a cláusula da impenhorabilidade.

Visa-se com isso um processo executivo equânime, que não prejudique indevidamente o executado na cobrança do seu crédito, nem sacrifique demasiadamente o executado, que poderá adquirir outro imóvel ainda de valor razoável e poder assim continuar a levando uma vida acima do mínimo necessário para viver normalmente.

A tutela executória pode ser obstada por determinados entraves jurídicos, como a impenhorabilidade, prevista no próprio Código de Processo Civil e também em leis especiais, como, por exemplo, na Lei 8.009, de 1990, sobre bem de família.

O limite prático da tutela executiva decorre, principalmente, da existência de bens do devedor. Sem bens não há execução, pois esta é essencialmente patrimonial.

A atividade estatal nem sempre leva à satisfação do direito do credor. É o que ocorre, se o direito do credor, reconhecido pelo Estado e expresso em título executivo não vier a ser acolhido pelo Judiciário, como no caso da frustração executiva em face da constatação de inexistência de bens, surgindo, então, um óbice para a prestação jurisdicional.

A impenhorabilidade significa que toda execução deve atingir somente o patrimônio do devedor. Pelo princípio da execução real, o processo executivo deve incidir sobre o patrimônio e não sobre a pessoa do devedor. Respeita-se o princípio da dignidade humana, evitando-se o confisco e o estado de miserabilidade do devedor.

Com a iminente reforma, pretende-se fazer uma modificação bastante significativa, para alguns até branda, mas considerável, sendo obviamente boa medida, tanto na penhora sobre salário, quanto na penhora sobre o bem de família até determinado valor. São medidas polêmicas, é certo, mas utilizadas com equilíbrio e ponderação, atenderão devidamente ao princípio da efetividade, da segurança e da celeridade do processo.

Quanto aos outros pontos do Projeto de Execução de Título Extrajudicial, consoante o art. 647 do CPC atual, os meios executivos passarão a ser a alienação de bens, a adjudicação e o usufruto do imóvel ou da empresa. O mesmo dispositivo, com a nova execução extrajudicial, nos termos do Projeto, consistirá na adjudicação em benefício do exeqüente ou de outras pessoas indicadas na lei, na alienação por iniciativa particular, na hasta pública e também no usufruto de mobiliário ou imobiliário.

A alienação em hasta pública de todo ultrapassada e de difícil operação não será mais a forma preferencial de expropriação. O legislador pretende diversificar e fazer com que o meio seja o mais fácil e operoso possível.

Quanto às formas de defesa do executado, os embargos à execução não terão mais o efeito de automática suspensão do processo. Segundo o Projeto 4.497, mais precisamente o art. 587, “é definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória, enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo”.

Nesse ponto, vale lembrar que o STJ ainda permanece com o entendimento de que é definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente de julgamento apelação em embargos à execução.

Pelo que consta do Projeto não findará a polêmica quanto à suspensão da apelação nos embargos que forem julgados improcedentes. Se a execução iniciou definitiva, suspensa a execução em razão do efeito suspensivo dos embargos, mesmo havendo pedido de improcedência, essa execução que estava suspensa passa a ser provisória.

A finalidade do processo de execução é a satisfação do direito do titular do título executivo, judicial ou extrajudicial, por meio de medidas executivas aptas a coagir o devedor a cumprir a obrigação.

Penso que haverá inúmeros benefícios para a execução extrajudicial, se aprovado o Projeto 4.497, tanto do ponto de vista formal, quanto material.

Formal, porque com a Lei de Cumprimento da Sentença ficaram desatualizadas todas as regras do processo de execução que se referem à execução de sentença. Desse modo, devem adequar-se todos os dispositivos que tratam da execução por título executivo judicial, porque agora essa execução está regulada no art. 475 e seus incisos, conforme a alteração ocorrida pela Lei 11.232, de 2005.

Substancialmente, serão inegáveis os mecanismos de aceleração, com a mudança no processo de execução, extrajudicial, que terá aplicação subsidiária no cumprimento da sentença, quando frustrados os meios previstos no art. 475 e seus incisos do CPC.

A execução se fortalecerá. Haverá substituição de regras executivas inoperantes e antigas por preceitos atuais, racionais e compatíveis com o quadro social e econômico que vivenciamos na atualidade.

De acordo com os princípios trazidos pelo Projeto de Lei 4.949, a nova execução civil propiciará uma maior eficiência na busca dos direitos do exequente, sem deixar de lado o resguardo de garantias necessárias à defesa do executado. Creio, por isso, que haverá considerável contribuição para se ter um processo mais seguro e mais célere. Mas não pensem que essa nova lei será uma panacéia para as múltiplas deficiências do nosso ineficaz processo de execução civil, mas sim apenas um aperfeiçoamento legislativo.

Lembrei-me agora do romance de Gabriel Garcia Márquez cujo título é “Do amor e outros demônios”, quando um médico convida um padre para fazer-lhe uma visita, mesmo ciente diante de uma recém norma editada pela Igreja que proibia a visita de clérigos à residência de pessoas consideradas “bruxos”. O médico usa um argumento convincente para que padre aceite o convite de visitá-lo, ao dizer-lhe que devia considerar que nas fraquezas daquele Reino, as leis somente eram cumpridas por mais ou menos três dias.

Exponho, aqui, meu voto de esperança na futura Lei de Execução Extrajudicial. Espero que a nova legislação não sucumba nas fraquezas dos reinos da exegese, nem na falta de vontade da mudança, nem na banalidade da prática judiciária, nem na inocuidade.

Assim o processo de execução não poderá mais ser chamado, como lhe apontava a doutrina do Século passado, em especial o inolvidável Liebman, de a gata borralheira do Direito Processual.

 

* Palestra proferida no Seminário “A reforma do Processo Civil” promovido pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas. Manaus, 24.03.2006. OLIVEIRA, Vallisney de Souza.

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