Poemas Transcritos - O doutor ausente

22/ 07 /2018

O doutor ausente

Nosso delegado

não é de prender.

Prefere, sossegado,

ler.

Clássicos latinos,

velhos portugueses.

A vida ficou sendo

estante.

Entre Virgílio e Fernão Lopes

a garrafa clara

cheia vazia cheia

contém o mundo retificado.

Nosso delegado

nasceu para outros fins

ausentes do viável.

Não escuta o cabo

dizer que na Rua de Baixo

acontece o diabo.

A estante, a garrafa semi-oculta,

a cavalgada dos possíveis impossíveis.

Matou! Roubou! Defloramento…

Deixa pra lá. Deixa bem pra lá de Ovídio

enquanto a bela (ou bela foi um dia) Elzira

lhe afaga os bigodes desenganados.

O delegado não prende.

O delegado está preso

à estante repetida, à sempre garrafa,

ao colo, à coleira

de Elzirardente consolatória.

(Carlos Drumond de Andrade)

categoria: Poemas Transcritos