Palestras - Palestra 14

18/ 04 /2016

Palestra 14

Acesso à Justiça e efetividade das decisões judiciárias*

Quero agradecer aos membros do Centro Acadêmico pelo convite para estar aqui neste primoroso evento. Aproveito o momento para dar os meus parabéns a todos pelos 75 anos do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Em especial, quero cumprimentar o ilustre Diretor desta Faculdade, o professor Eriberto Marin e todos os organizadores deste festejado e esperado acontecimento histórico para o Ensino Superior do Estado de Goiás.

Caros estudantes, posto como está este importante tema constitucional e processual, inicio pelo núcleo do princípio do acesso à justiça, cujos dizeres da Constituição, segundo o artigo 5º, inciso XXXV, diz que a lei não excluirá da apreciação do poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito.

Não se trata propriamente de inovação da Constituição de 1988. Esse princípio já estava previsto bem antes e sobre ele já pairaram discussões, debates, comentários e interpretações diversas. Na prática forense também já foi muito transgredido, com incisivas violações da regra de que o Poder Judiciário precisa, no âmbito da jurisdição única, como é a nossa, não ser tolhido de apreciar qualquer questão, qualquer causa, salvo as exceções constitucionais, como nas hipóteses envolvendo a justiça desportiva, onde o jurisdicionado deve primeiro passar pelo procedimento perante os tribunais desportivos.

O princípio disposto no artigo 5º, inciso XXXV, o do acesso à justiça, surgiu na Constituição de 1946, que estabelecia a vedação legal de exclusão da apreciação do Poder Judiciário, em face de qualquer lesão a direito individual. Esse mesmo princípio foi repetido na Constituição de 1967 e na Emenda de 1969. Esta definia também que a Lei não devia excluir nenhuma lesão a direito individual.

Em 1977, por meio de uma Emenda Constitucional, que para alguns até poderia ser uma solução para problemas atuais de crise do Judiciário, previu-se que quando a demanda fosse contra o Poder Público o interessado devia postular primeiro perante a Administração; somente após o procedimento administrativo a questão podia ser levada a juízo. Era um contencioso administrativo, condição para a demanda judicial da prévia análise do órgão administrativo. Mas essa regra não vingou na prática e a Constituição de 1988 não a repetiu.

Em outros países existem disposições semelhantes de restrição ao livre acesso ao Judiciário, como na Argentina que impõe que, em algumas causas civis as pessoas precisam antes fazer uso da mediação ou, em algumas causas contra o Estado postular antes perante a Administração Pública.

Do ponto de vista da celeridade, do desafogo e do excesso de litigiosidade até seria ideal que a Justiça agisse apenas subsidiariamente e não substituísse direta e simplesmente as partes nem o administrador.

No entanto, hoje não existe óbice para que as pessoas possam ingressar imediatamente no Judiciário. E o fazem com fundamento no princípio do acesso à justiça.

A majoritária jurisprudência, sobretudo do STJ, aceita a postulação em juízo independentemente de pedido ou esgotamento da via administrativa. Trata-se de uma questão polêmica e, na prática, cada situação deve ser analisada particularmente pelo juiz, que avaliará se a causa é do tipo que inevitavelmente os interesses judiciais são contrariados e que mesmo sem o pedido administrativo já se denota haver interesse de agir do autor.

O amplo acesso à justiça, segundo a Constituição, conduz à conclusão de que a parte pode direta e imediatamente invocar a prestação jurisdicional toda vez que tiver interesse legítimo.

Esse acesso à justiça deve ser interpretado por vários ângulos. Sob o enfoque da inafastabilidade judiciária significa que nenhuma lei excluirá da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito. Impede-se, assim, que na legislação se criem óbices ao livre ingresso de ação, mesmo porque a regra infraconstitucional não pode violar um princípio positivado na Carta Magna.

Por outro enfoque, o acesso à Justiça impõe o exame de qualquer lide pelo Poder Judiciário, que não pode deixar de julgar e sim exercer plenamente a jurisdição.

Não é de hoje a preocupação com o acesso à justiça. É muito difundido um estudo mundial, originário dos anos setenta do século passado. Decorrente do denominado Projeto de Florença tal estudo se voltou para o acesso à justiça e com o que de fato acontecia na vida forense, em vez da pesquisa dos códigos, da documentação ou da técnica. O estudo se concentrou na face social do problema da justiça, no consumidor dos serviços judiciais e na razão que leva o cidadão procurar ou deixar de procurar o juiz, quais os problemas relacionados com a entrada e a saída das demandas judiciais e quais as dificuldades para se distribuir justiça ampla e universal.

Essa pesquisa foi feita em diversos países e continentes e as conclusões surgiram no fim da década de setenta. Já se passaram 40 anos e os postulados desse Projeto continuam atuais, mesmo sendo objeto de debate e de soluções para problemas diagnosticados na segunda metade do século passado.

Nesse estudo são apontados óbices comuns e direcionamentos denominados ondas ligadas ao acesso à justiça.

A primeira delas é a falta de assistência judiciária, a atenção aos pobres; despesas com advogados, despesas processuais e outras dificuldades para as pessoas humildes e comuns procurarem a Justiça e preferirem resolver seus conflitos por outros meios, com o auxílio de líderes comunitários ou mediador extrajudicial, ou mesmo renunciar a direitos.

O segundo enfoque pontuado pela Pesquisa capitaneada pelo ilustre professor Mauro Cappelletti consistiu na barreira relacionada com a proteção a novos direitos, entre os quais coletivos e difusos.

Por fim, os terceiros óbices foram os considerados pontuais, procedimentais e as diversas situações desestimuladoras da plenitude do acesso à justiça, como os ritos demorados e a formalidade excessiva.

Naturalmente que outras ondas, óbices ou desafios, não previstos naquele estudo, podem surgir em determinado país ou são fruto do nosso tempo, por isso não foram e nem poderiam ter sido cogitados naquela época. Em particular, veja-se o caso do Brasil atual, onde se convive com o excesso de recursos, com a alta lentidão dos ritos, com a ineficiência do sistema de execução, com o excesso de litigiosidade entre outros.

Observem, contudo, a atualidade daquele estudo sobre o acesso à justiça. Alguns sintomas dos problemas apontados no passado continuam.

Um dos óbices indicados naquele trabalho coletivo é a falta de assistência judiciária e a dificuldade de se ter advogado para os pobres. A assistência judiciária, no Brasil, foi inserida na Lei 1.060, de 1950, que trata da assistência jurídica, Lei que, aliás, merece ser atualizada. Veja-se que no caso do exame de DNA não faz muito tempo essa Lei foi modificada para permitir que pessoas sem recursos pudessem ter direito à gratuidade do exame a fim de fazer prova perante o Judiciário.

A Lei de Assistência Jurídica impõe a necessidade de o Estado ofertar a assistência jurídica, da qual a judiciária é uma das mais prementes.

No Projeto de Florença se cogitava da contratação de advogados por parte do Estado. No Brasil a solução se deu com a previsão, conquanto lenta, da criação e implantação das Defensorias Públicas, formada por agentes públicos, advogados, destinada a dar proteção aos pobres e a quem não possui condições financeiras de custear um processo.

Infelizmente as nossas defensorias públicas deixaram muito a desejar, porque ainda não conseguiram corresponder às necessidades da população, seja por falta de estrutura, seja por falta de efetiva criação e funcionamento em diversos municípios e periferia de cidades grandes. Em alguns Estados da Federação, como é o caso aqui de Goiás, pelo que me consta até o momento sequer se deu a implantação, efetiva, da estrutura autônoma da Defensoria Pública Estadual.

Nos anos setenta, oitenta e noventa, e talvez ainda hoje, a onerosa dificuldade de pessoas não se centrava somente no acesso à justiça, mas num momento anterior, pois as pessoas necessitadas tinham dificuldades, e ainda possuem em menor grau, ao acesso às próprias Defensorias Públicas. Atualmente, em alguns lugares, como regra geral, as pessoas madrugam nas intermináveis filas e se esforçam para obter as limitadas senhas de atendimento, tudo para poder mostrar o seu problema jurídico a um defensor público, que muitas vezes não consegue atender integral e satisfatoriamente aos anseios e aos interesses de tantos quantos se dirigem àquele órgão.

Hoje o quadro já é bem melhor. As Defensorias estão se aparelhando mais e, daqui em diante decerto obterão uma dimensão maior no seu papel institucional. A lei se aprimora e os defensores públicos agora podem promover ação civil pública. Com a Emenda Constitucional 45, de 2004, as Defensorias ganharam autonomia financeira. Tudo me leva a crer que os serviços jurídicos aos necessitados se tornem paulatinamente cada vez mais satisfatórios e melhorados.

As Defensorias aumentam suas funções jurídico-sociais. Não significa que interferem no papel histórico do Ministério Público; apenas preenchem um vácuo existente no serviço jurídico para a população e no auxílio jurídico aos hipossuficientes.

O MP chegou ao ápice de sua atribuição e serviço com o advento da Constituição 1988 e ainda hoje cumpre importante missão institucional na promoção da ação penal pública e nas ações coletivas, entre outras.

A Defensoria, com força na lei, também avança como instituição; adquire maior autonomia orçamentária, dá provimento aos cargos e passa a ocupar o seu espaço no amparo jurídico aos necessitados. Infelizmente até agora em débito com uma imensidão de interesses e postulações de que são credoras pessoas necessitadas e pobres, desse nosso Brasil múltiplo, desigual e carente de assistência jurídica e econômica.

Nesse nosso país ainda com milhões de miseráveis seria necessário um verdadeiro exército não apenas de defensores, mas também de promotores, de juízes e de outros agentes estatais para realizar idealmente a pacificação de conflitos estatal gratuita.

Felizmente, ao lado das Defensorias Públicas, no Brasil também ocorreu outro fenômeno facilitador do acesso à Justiça, que foi a criação dos Juizados de pequenas causas, com a Lei 7.244, de 1984.

No caldeirão desse modelo elitista de justiça foi editada essa lei, inspirada na oralidade, simplicidade, conciliação, em consonância com os anseios populares, abrindo o leque do acesso à justiça: o interessado adquiriu o direito promover sua pequena causa sem advogado até certo valor, vinte salários mínimos na época. E as decisões dos Juizados eram impugnadas por recursos a serem apreciados pelos próprios juízes de primeiro grau, pela chamada turma recursal, e não mais para os tribunais de justiça.

A cultura judiciária da época era também influenciada por um modelo extremamente burocrático e eminentemente formal. Aliás, no início da edição da lei se travou uma polêmica com a OAB, que era contra a disposição na parte em que se dispensava o advogado. Ao fim de tudo, a Lei 7.244 de 1984 foi sancionada dentro daquela meta de desburocratização, à frente o Ministro Hélio Beltrão, e copiada em muitos termos da experiência de Nova York no tratamento das Pequenas Causas.

A Lei de Pequenas Causas foi um marco revolucionário legal, porque mudou toda a sistemática fundada na legislação processual civil brasileira. Cumpriu muito bem a transição de uma fase da justiça extremamente formalista para um espaço maior de justiça mais simples. Quebrou a estrutura da legislação processual brasileira, moldado no CPC de 1973, onde havia em volta uma cultura e uma tradição direcionada para demandas individuais envolvendo pessoas no mesmo patamar de igualdade, com ritos e solenidades que deviam ser inegavelmente cumpridos pelos advogados e pelas próprias partes.

A Lei 7.244 trouxe a possibilidade de se ingressar diretamente, sem advogado e sem pagamento de outras despesas, afastando o obstáculo pontuado por Mauro Capelletti, nos estudos que dirigiu décadas atrás, de que a justiça era cara.

É ainda uma realidade e talvez ainda seja uma realidade, em alguns tribunais, ignorar-se ou não haver critério para o pagamento de custas ou serem impostos valores elevadíssimos, como condição para ingresso da parte, por meio de seu advogado, em juízo. Sem se esquecer de mencionar o pagamento com o trabalho de oficiais de justiça, peritos, taxas judiciais, atos do escrivão entre as demais despesas e emolumentos.

Todavia, essa lei se deparou com um grande problema. Não foi plenamente aplicada, sobretudo por falta de política governamental e judiciária. Alguns Estados sequer chegaram a criar os Juizados de Pequenas Causas; outros demoraram a instalá-los. Por isso, as pequenas causas não tiveram os benefícios sociais esperados, nem o efeito jurídico desejado, porque não havia estrutura judiciária para experimentar as demandas de pequena monta.

Quatro anos se passaram até ser promulgada a Constituição de 1988. Indo além do que determinava a Lei de Pequenas Causas de 1984, a Constituição previu os juizados especiais, a serem implantados pelos Estados, para causas cíveis de menor complexidade e para infrações penais de menor potencial ofensivo, com a participação de juízes leigos e togados, e com a admissão da transação civil e penal.

É evidente o avanço da Constituição nesse ponto, fazendo com que o modelo da Lei 7.244, que era eminentemente civil, também se estendesse para questões penais.

Obedecendo ao mandamento constitucional foi editada a Lei 9099, de 1995. Na parte cível repetiu muitos termos da Lei de pequenas causas e acrescentou novidades, tais como a possibilidade de pessoas com 18 anos poderem ingressar em juízo, quando na época o Código Civil estabelecia a maioridade civil em 21 anos. Previu ainda a possibilidade de se litigar sem advogado em causas cíveis de até 20 salários mínimos, sendo obrigatória a presença do advogado nas causas de 20 a 40 salários mínimos. Naturalmente, que também houve um embate jurídico muito grande, sobretudo pela pressão mais uma vez da classe dos advogados, que era obviamente e naturalmente contrária a essa possibilidade do ingresso, como já ocorria na Justiça do Trabalho, da parte sem defensor técnico nos juizados.

Também a Lei contemplou o processo penal. Na verdade quebrou o dogma da inevitável ação penal pública, isto é, do princípio da obrigatoriedade e da impossibilidade do acordo, do ius puniendi inarredável do Estado, passando a admitir a conciliação e o acordo criminal.

Tudo passou a ser flexibilizado nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo consideradas antes como sendo aquelas com pena máxima em abstrato de até um ano, mas que atualmente é de até dois anos. Houve também uma preocupação com a vítima. Do mesmo modo, o réu também manteve a sua garantia de direito a um advogado.

Antes a vítima não tinha o amparo mínimo necessário. A justiça, abarrotada, não possuía estrutura policial, e não havia estímulo a ir ao judiciário contra o infrator; ao contrário havia o temor maior naquela época das vítimas de infrações penais, ainda que de menor potencial ofensivo, contra vingança ou perseguição dos acusados.

No processo civil, a dispensa de advogado tornou mais marcante e experiência dos Juizados nas causas de até vinte salários mínimos. Este é um modelo que atende adequadamente ao princípio do acesso á justiça. Poderia ser aprimorado, alterado para melhor, até mesmo de lege ferenda, a fim de se tornar mais acessível aos verdadeiramente necessitados, e ser mais célere. E que pudesse abarcar demandas menores com mais informalidade e ritos mais abreviados, e redução drástica entre a data da entrada da ação e a coisa julgada.

Mas a Lei 9.099 trouxe boas e benéficas inovações: a ação civil ou penal de forma oral, ampla possibilidade de conciliação, unicidade de audiência, recursos orais, execução mais eficaz nos próprios juizados.

Além disso, não se pode deixar de mencionar outra novidade, que foi a criação dos Juizados Especiais Federais, com a Lei n. 10.259, de 2001, onde se quebra o mito da ausência de conciliação pelos agentes do poder público federal, nas causas de até 60 salários mínimos, sem necessidade de advogado, sendo nessa esfera quase sempre autor o cidadão.

Essa Lei não concede prazo diferenciado aos réus, acaba com a remessa oficial, implanta o cumprimento da sentença por requisição de pequeno valor, de até sessenta salários mínimos.

Com os Juizados Especiais a justiça federal se aproximou da população, tornou-se mais humana, mais social, imediata na busca da prova, no julgamento por equidade. Aceita a equidade como critério de justiça quase independente, tornando a justiça solidária. Acima de tudo se tornou mais acessível à população.

Os juizados são democráticos na participação de pessoas que podem contribuir com a justiça, como conciliadores e juízes leigos, que podem trazer suas experiências comuns e técnicas para a instrução e a decisão dos processos nos Juizados Especiais.

Não se pode esquecer que o ingresso da justiça popular não ocorre somente nos juizados especiais, mas também no tribunal do júri, que tem a participação dos jurados, juízes leigos.

Do mesmo modo, a participação popular a serviço da justiça agora se expande um pouco mais com o amicus curiae, figura provinda do direito norte americano que está se difundindo no direito brasileiro, principalmente no sistema concentrado de controle de constitucionalidade a cargo do Supremo Tribunal Federal. Cuida-se da possibilidade de possibilitar ao juiz ter contato e melhor conhecimento de questões que interessam significativamente a sociedade como um todo. Há previsão mais recente para o amicus curiae prestar sua colaboração, geralmente técnica e especializada, não apenas nos processos do STF, mas também nos recursos repetitivos no âmbito do STJ e no julgamento de uniformização de jurisprudência dos juizados federais.

Quanto à efetividade da prestação jurisdicional, a nossa Constituição de 1988 evoluiu em diversas áreas. O que presenciamos hoje é praticamente a constitucionalização do direito ordinário, civil, trabalhista, econômico, financeiro, tributário, processual, penal etc. cada um com seu lugar e função numa Constituição detalhada e abrangente.

A Constituição Federal contempla muitas regras processuais, tais como devido processo legal, presunção de inocência, publicidade de atos, fundamentação das decisões, além de outras vindas com a Emenda Constitucional 45, de 2004, como a necessidade de distribuição imediata dos processos, proibição de férias coletivas nos tribunais, criação de órgão de fiscalização dos juízes, como o CNJ e razoável duração do processo.

A justiça deve ser ininterrupta, célere e efetiva. Isso justifica a importância do princípio da duração razoável do processo, previsto no artigo 5º, inciso XXVIII, da Constituição, que para muitos é uma mera carta de intenções e para outras uma norma programática.

O direito à razoável duração do processo já estava previsto na Declaração dos Direitos do Homem, de 1948; na Convenção Européia de Direitos Humanos, de 1950, e em algumas Constituições Europeias. A Constituição Americana desde há muito, em uma de suas emendas, prevê que o processo seja concluído em tempo razoável.

Justiça é um valor muito importante para o cidadão e para a sociedade. Por outro lado a injustiça é um grande mal que a ser evitado. O princípio da duração razoável se relaciona com o princípio do acesso à justiça, uma vez que não adianta abrir as portas do Judiciário, se na Casa da jurisdição esse bem se perde nos quartos e salas de espera, ou nos diversos compartimentos e lá fica por muito tempo escondido sem que se realize o pronto atendimento e ainda a felicidade de quem da justiça é merecedora.

O Poder Judiciário ainda padece do grande mal que é a morosidade, por diversas razões, como o excesso de modalidades recursais e o deficiente mecanismo de cumprimento de sentença. Esse obstáculo do acesso à justiça foi tratado na Europa pela Corte Internacional de Direitos Humanos que condenou países como a Itália, Portugal e Espanha. Em decorrência disso, milhares e até milhões de euros foram pagos por essas Nações pelo atraso exagerado na aplicação judicial do direito.

No caso do Brasil, sabe-se de um caso exemplar, na Corte Americana de Direitos Humanos. Um portador de deficiência mental foi enviado para tratar-se na Casa de Repouso Guararapes, no Ceará e lá foi maltratado, sofreu danos e veio a falecer. A família entrou na Justiça e o processo demorou mais do que o razoável sem ter sido efetivamente julgado. A demora injustificável e exagerada levou a família, representada por uma ONG, a postular perante a Corte Americana. O Estado Brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos, em mais de cem mil dólares, além de outras condenações acessórias, entre as quais a de que o Brasil, o seu Judiciário, devia julgar logo os acusados da morte da vítima Damião Ximenes Lopes.

Esse caso entremostra o que ainda é comum acontecer entre nós: a demora insuportável. Processos que ingressam no Judiciário, mas quase nunca são definitivamente julgados. É a patente violação ao princípio constitucional do acesso à justiça e da prestação jurisdicional efetiva e em tempo razoável, o que torna a justiça, na visão do povo, em vez de excelente, muito deficiente.

A propósito lembro-me aqui de uma fala que vi anos atrás de um professor e magistrado, ex-ministro do STJ, que dizia que o juiz rigorosamente não devia ser chamado pessoalmente de Excelência, pois em vez disso Excelente (ou não) devia chamar-se o serviço jurisdicional prestado por este juiz.

Portanto, se não podemos ter ainda uma sociedade justa, que pelo menos possamos almejar uma prestação jurisdicional Excelente.

 

* OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Palestra no Seminário de comemoração dos 75 anos do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 28.05.2008.

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