Palestras - Palestra 13

26/ 03 /2016

Palestra 13

TÉCNICAS DE AUDIÊNCIA

Inicialmente quero expressar minhas boas vindas aos novos juízes federais substitutos aprovados no XI Concurso Público de Provas e Títulos, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Todos sabem que se trata de concurso dificílimo, altamente seletivo e que somente pouquíssimos conseguem aprovação num universo de centenas ou milhares de candidatos.

Falar do tema audiência é tratar de um assunto que os senhores se depararão no dia a dia da vida judicante. Pretendo assim, deixando de lado um pouco o aspecto teórico, falar também da minha experiência durante uma década e meia, como magistrado federal que realizou incontáveis audiências, criminais e cíveis, e participou de sessões plenárias do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

A audiência existe porque se trata de instrumento fundamental visando ao fim da jurisdição. Não se pode aboli-la do processo, porque em certas ocasiões somente uma audiência resolve a lide. Além de tudo, trata-se de ato de relação humana, com teor social e democrático da qual participam os sujeitos processuais e ainda terceiros.

Na audiência se trava o contato judicial imediato com a prova, com as partes e com seus representantes, com colaboradores ou interessados. Cada audiência pode ser considerada experiência única e nela o magistrado exerce um papel fundamental.

As audiências ainda são importantes no processo. Mas já tiveram maior relevância no passado. Com o passar do tempo, a obrigatoriedade da audiência foi cedendo para a escrita, sobretudo em face da difusão da cultura e da ciência pelo povo.

Na antiguidade o processo oral em audiência era bastante utilizado, em razão de que grande parte da sociedade era analfabeta e não podia, por isso, entender os documentos e os escritos.

No período romano mais antigo, a palavra tinha tanta importância que se alguém errasse uma fórmula oral podia até mesmo perder a causa independentemente de ter ou não razão.

No período formulário, com exceção das fórmulas, obrigatoriamente escritas, todo o processo perante o árbitro, era feito em audiência para se colher prova e se descobrir quem tinha razão.

No último período do direito romano antigo, da cognição extraordinária, em que já havia juízes oficiais, foi possível a junção de audiências com atos escritos.

No Direito germânico predominavam o direito oral e místico, e mesmo com o contacto com o direito romano da cognição extraordinária, continuou sendo predominantemente produzido em audiência, onde jurados populares, EM GERAL sem cultura e iletrados, julgavam seus pares em assembleia.

Era corrente a audiência dirigida por juízes, coletivos ou únicos, por árbitros ou leigos, quase sempre pessoas que não tinham condições de interpretar leis e documentos. Ali geralmente nada era registrado e a decisão era dada na própria audiência.

Porém, em pleno Medievo, com a profusão da justiça canônica, integrada por clérigos especialistas, letrados e cultos, o processo passou a ter predominância escrita, com drástica redução das audiências, que, quando acontecia, era secreta e inquisitória.

Sendo essencial, não se aboliu, porém, a oralidade. A experiência histórica demonstrou a inviabilidade do processo totalmente oral e ainda do processo integralmente escrito, razão pela qual a oralidade da audiência não implica total desprezo pela documentação.

Por outro lado, a realização de processo totalmente documental, sem a admissão da audiência para colheita da prova oral é infenso à humanização da atividade processual e da busca da verdade real, pois muitas vezes somente depoimentos podem servir como meios de prova.

Por isso, o Direito Processual contemporâneo concilia a audiência, onde predomina a oralidade com a prática de atos eminentemente escritos.

No Brasil, as audiências sempre tiveram previsão no ordenamento processual civil brasileiro, desde as Ordenações lusitanas, das quais originou o nosso direito processual vigente.

Embora as audiências no Direito Brasileiro tenham sido previstas, faltou originariamente ao legislador, tanto do CPP de 1941, quanto do CPC de 1973, primar pela prática da audiência única, pois prevendo várias audiências o sistema processual brasileiro deixou de lado a economia processual, sendo importante que de lege ferenda fosse introduzido ou reintroduzido o princípio da máxima concentração com a efetivação do princípio da concentração da audiência.

Na atualidade o processo não pode ser totalmente escrito e a audiência não pode ser essencial e acontecer sempre. Deve haver mitigação entre a oralidade e a escritura.

A escrita configura ato fundamental para ensejar a ampla defesa e a segurança jurídica. Os princípios da escritura e da oralidade devem atuar conjuntamente. O primeiro para registrar e conservar os atos processuais, o segundo para ensejar celeridade, efetividade e melhor justiça nas decisões, mesmo porque os princípios convivem harmonicamente no sistema jurídico. Um princípio não anula o seu contraposto ou o torna falso, apenas suspende sua incidência em determinadas situações ou em dado ordenamento jurídico, por uma questão de opção política do legislador.

Como sabem, por imposição constitucional deve ser ampla a publicidade das audiências, sempre de portas abertas a quem delas queira tomar conhecimento do seu conteúdo, salvo em processos com segredo de justiça.

No estado democrático da liberdade, todo cidadão tem o direito de participar, opinando ou acompanhando a atuação judiciária.

Os atos do Judiciário devem ser públicos, salvo aqueles cujo interesse geral exigir ou a natureza da causa recomendar. O princípio da publicidade exige que as partes sejam intimadas da audiência, inclusive o Ministério Público, quando necessário. Se a audiência for realizada sem a observância da publicidade para as partes e interessados ou pessoas a serem ouvidas, se houver cerceamento de defesa e prejuízo, a audiência deve ser declarada nula.

Outros preceitos jurídicos e éticos alcançam a audiência. O magistrado presidente pode retirar expressões injuriosas ou retirar o microfone ou proibir a fala daquele que se porta inconveniente ou abusivamente numa audiência. Exerce aí o seu poder de polícia, sempre com equilíbrio, firmeza, coerência e, acima de tudo, tolerância sem intimidações.

Durante a audiência a regra é que deve haver respeito, atenção e responsabilidade de todos. Porém, isso não significa que os juízes se tornem exageradamente formalistas e distantes. Dependendo da situação, como em audiência de justificação judicial ou de Juizados Especiais pode-se conduzi-la de forma simples e informal; numa audiência criminal pode-se aumentar um pouquinho mais a formalidade, principalmente por ser muito comum os tribunais anularem implacavelmente atos criminais quando há vícios formais e potencial prejuízo para a defesa.

O participante de uma audiência deve aprender a ouvir, a falar no momento apropriado, a comportar-se dignamente, com educação, cortesia, respeito e urbanidade. Não é aceitável a conduta de se constranger a testemunha, fazer ameaças implícitas ou explícitas, ser intolerante ou atrapalhar de qualquer modo o ato de conciliação, instrução e julgamento.

No âmbito de seu poder de polícia o magistrado deve manter a ordem e o decoro, ordenar a retirada de qualquer pessoa que se porte inconveniente e, até mesmo, requisitar a força policial para cumprimento de seu mandamento. Cabe ainda exortar o agente do Ministério Público e o advogado a se portarem com educação e respeito mútuo.

Do magistrado é exigida uma conduta responsável e imparcial, por isso não lhe cai bem ser sarcástico nem impaciente com os depoentes e com os manifestantes.

Condena-se a postura de juízes em audiência que agem como se estivessem acima do bem e do mal. Intocáveis, inalcançáveis, tratam mal as partes e os advogados, ameaçam testemunhas, forçam explicitamente uma conciliação, se exaltam constantemente ou ameaçam ou mandam prender sem necessidade. É a postura totalmente reprovável, despótica, sem a consciência de que quem ocupa a magistratura exerce um sacerdócio e a mansidão é uma louvável virtude.

Não se apregoa a postura medrosa, passiva e omissa do juiz, que deixa a audiência virar uma bagunça completa, onde ninguém se entende, onde há discussões estéreis e vazias, e agressões e digressões para desviar o foco central do ato, que é a busca da verdade.

O juiz deve estar presente e concentrar em si os atos. Deve saber ouvir e saber conduzir o ato com altivez e serenidade. Quando notar condutas capazes de levar a erros de julgamento deve preveni-la e repeli-la, não admitindo insinuações ou sofismas capazes de levar ao engano, como, por exemplo, em vez de se formular perguntas diretas aos depoentes, afirmar fatos inexistentes nos autos e pretender confirmação; fazer sugestões diretas a testemunhas; em vez de fazer as perguntas proferir discursos alongados ou levantar teses jurídicas com prejuízo de tempo e da praticidade do ato.

O magistrado pode suprir e corrigir com muita tranquilidade atos de tal jaez: engodo, perguntas confusas e afirmações não constantes dos autos pelos inquiridores. Também lhe cabe levar em consideração na sua decisão tudo o que ocorreu na audiência, sua percepção dos fatos, a prova produzida, por isso precisa saber extrair o máximo da instrução em audiência.

A boa linguagem judicial é imperiosa. Deve-se evitar o uso de chavões, tais como “de tudo que se colheu até agora o autor tem razão”, desacompanhados da motivação devida.

O juiz também deve rejeitar a apresentação de falsos axiomas e manifestações desvairadas visando ao tumulto ou ao erro de julgamento.

Ao magistrado incumbe verificar a mentira, o conluio e as simulações durante uma audiência, nem que seja para fazer o seu juízo de valor. Cabe-lhe ainda prender-se aos pontos controvertidos da lide, não formular nem permitir formulação de perguntas absolutamente desordenadas, desconexas ou sem qualquer relação com as questões litigiosas.

Também deve ser evitado o pedantismo e o preciosismo nas falas para não se criar um desvão entre o interlocutor, o destinatário e os registros processuais. Nas perguntas, o interrogante deve evitar termos exclusivamente técnicos para quem não tem condições de compreendê-los, nem juridiquês, nem linguagem difícil e rebuscada para pessoas muitas vezes analfabetas, porque isso empurra o jurisdicionado para fora da compreensão da Justiça.

Por exemplo, numa audiência de justificação judicial mister é explicar bem quem é o justificante e o justificado. Evitar o uso isolado ou explicar devidamente termos como concubina, de cujus, herdeiros necessários, hereditariedade, verossimilhança das alegações, fumus boni iuris, querelante, querelado, presunção iuris tantum etc.

Como regra deve-se evitar apelos, hipérboles e erros crassos gramaticais na fala e na transmissão do pensamento pela oralidade.

Quando a audiência for gravada não se deve preocupar com as palavras, mas se deve ter o cuidado de não utilizar uma linguagem chula, baixa, palavrões ou ofensas. Também não se deve ficar repetindo o que diz a testemunha porque dará trabalho em dobro, para quem for degravar ou para quem for ouvir posteriormente a gravação da audiência para formar um juízo de valor. Por exemplo, evitar o uso, para facilitar a transcrição, dos excessos de linguagem: “né”, “o quê” ou repetição pelo magistrado das respostas dadas, desnecessariamente.

O magistrado, no sistema de transcrição dos depoimentos, precisa controlar-se para não carregar o texto com repetições inúteis. Ou seja, não pode usar o que está apenas na esfera mental de quem preside uma colheita de um depoimento no sistema tradicional de transcrição para o papel. Já no sistema de gravação imediata ou sonora de audiência é dispensável o trabalho em duplicidade, daí que o magistrado normalmente não precisa se preocupar em interferir ou reforçar qualquer resposta, salvo se fundamental para a prova.

Na passagem da resposta para a documentação, o magistrado ou o funcionário encarregado de fazê-lo não pode deixar de ser fiel ao que disse o depoente, não sendo permitido melhorar ou piorar a linguagem. Se a testemunha chamou um palavrão, disse uma palavra errada ou estranha, cabe transcrevê-la na íntegra, porque quem está depondo é a testemunha e não o magistrado ou o servidor.

Quanto aos debates e à sentença, a linguagem deve ser clara e fundamentada, o advogado ou Ministério Público argumentando e tentando convencer e o magistrado formando o seu convencimento.

O sistema oral seguro pressupõe uma forma de registros na audiência, entre os vários modos conhecidos e não vedados, desde a vetusta datilografia ou no editor de texto do computador até o armazenamento por meio exclusivamente eletrônico.

Os atos praticados na audiência do procedimento sumário podem ser registrados por qualquer meio idôneo de registro.

A audiência de instrução e julgamento pode ser gravada em fita magnética ou em cd, dvd, pen drive, em mp3, diretamente no computador, no sistema virtual do juízo ou com o uso da internet.

A tecnologia judiciária traz qualidade, economia de tempo e registra os fatos e condutas da audiência. A evolução da técnica, a informática, os recursos sonoros e de vídeo e de gravação são avanços irrenunciáveis, inclusive a denominada e polêmica audiência por teleconferência.

A prestação jurisdicional não pode ficar engessada no tempo, sob pena de colocarem a justiça em descompasso com a realidade e com o progresso, necessário ao homem e a seus anseios na sociedade.

Os advogados podem utilizar os recursos mais engenhosos para convencer, mostrar a verdade e ganhar a causa. No entanto, devem portar-se sempre com dignidade e decência.

Findos os debates, o juiz pode proferir o julgamento na própria audiência, a não ser que, motivadamente, resolva sentenciar depois.

O julgamento, oral ou escrito, é uma etapa significativa, na qual a última palavra cabe ao Judiciário, que definirá a lide, depois de ter sido feita a tentativa de conciliação (quando cabível) e toda a instrução. É então a vez do magistrado, encarnando o direito estatal, não dar apenas um parecer, mas adotar, com o que lhe parece, e tudo que dos autos constam, a opção decisória.

Eu sei que não é fácil, principalmente em causas complexas. Mas se o magistrado optar por decidir na própria audiência deve já estar inteirado do contexto e da controvérsia, com o que se faz importante sua prévia participação em todos os atos do processo, e uma participação ativa na audiência, seja conciliando, seja dirigindo os trabalhos, ou passando para o papel, quando necessário, as falas e as vozes, os testemunhos. Assim estará mais habilitado para sentenciar na presença de todos.

Para julgar na própria audiência, em primeiro lugar o magistrado precisa conhecer os autos. Para fazê-lo, deve agir, porém, com segurança e convicção. Se existir um pingo de dúvida quanto a quem tem razão é melhor julgar depois, com a tranquilidade do gabinete e depois de uma reflexão mais demorada.

A sentença na própria audiência acontece logo que encerrados os debates. Se o juiz tiver condições de julgar em audiência deve fazê-lo. Também não pode seduzir-se pela cômoda e automática apresentação de memoriais pelas partes, finda a instrução. Mesmo que haja insistência dos advogados, se a causa não é complexa, não deve admitir a apresentação de memoriais e dilação de prazo.

Acima de tudo é a situação particular que vai dizer. O debate e o julgamento em audiência nem sempre são recomendáveis, mesmo em questões que não sejam complexas, pois o importante é que os advogados estejam preparados para o debate e o juiz para dizer quem tem razão antes ou após as alegações finais, pois sentença dada às pressas muitas vezes pode conter erros flagrantes.

Pode, excepcionalmente, se for um caso delicado, complexo ou difícil, deixar de sentenciar na hora, por cautela. Por exemplo: o juiz é sabedor que uma parte presente possui problemas do coração ou se é uma pessoa altamente desequilibrada, por questões de segurança e até para não correr o risco de majorar-lhe um problema de saúde, o magistrado pode deixar para decidir após a audiência, evitando assim uma reação indesejável.

O que se reprova é a derrogação da lei, com a transformação dos memoriais em regra e os debates orais e sentença imediata em exceção, quando há todas as condições necessárias para que não haja adiamento.

Proferir sentença em audiência, principalmente em processos complexos, é sempre um risco, por isso que poucos juízes o fazem. Mas é um ato de desprendimento, raciocínio célere e de manifestação pronta do direito afinada com economia processual. Uma maneira menos abstrata e mais inteligível para as partes, pois estas, presentes na audiência saberão como as coisas aconteceram, ouvirão em primeira mão os argumentos decisórios do juiz e não por folhas de papel cuja linguagem muitas vezes nem entendem, se bem que é possível que o juiz, mesmo oralmente não consiga fazer-se entender nem mesmo pelo advogado ou membro do Ministério Público.

Daí a necessidade de usar da lógica, da clareza das idéias, da objetividade e seguir os elementos da sentença, nos termos do CPC: relatar, fundamentar e dispor.

Após os breves cumprimentos, o magistrado relata as principais ocorrências havidas desde o início da demanda até o último ato importante praticado naquela oportunidade como os debates orais ou oitiva de uma testemunha, os pontos contestados, as provas produzidas, como a inquirição de testemunhas, realização de perícias e juntada de documentos, além das alegações finais.

É válida a síntese e da coerência e não se pode relatar adotando ou elogiando a tese do autor ou a antítese do réu, porém prezar pela igualdade, isenção e imparcialidade, sem valorações, sem opiniões, sem pareceres, pois o relatório não é o momento apropriado ainda para julgar. Finalizando o relatório o juiz começa a fazer as suas apreciações.

Os fundamentos consistem na razoável revelação dos fatos e do direito do caso levado a juízo. Na fundamentação o juiz utiliza seu livre convencimento para sentir e para fazer a sua análise técnico-jurídica, sem abandonar as merecidas motivações para os caminhos que vier a trilhar.

A técnica jurídica requer a ordem lógica nos fundamentos, devendo o juiz por primeiro conhecer as questões preliminares, em seguida as prejudiciais e, posteriormente, a análise do mérito.

Ao final o juiz fará o dispositivo, ou melhor, a ordem, o mandamento, a decisão propriamente dita, a fim de extinguir o processo sem análise do mérito, julgar procedente ou improcedente o pedido, condenar ou absolver o réu. É o trecho imperativo e conclusivo de seu veredicto.

Ao final, o juiz declara encerrada a audiência e pede que sejam assinadas a ata ou o termo, ou as consignações escritas de todo o ocorrido.

Eis, enfim, em breves palavras, algumas observações e registros, produtos da minha experiência, em especial como promotor de justiça, procurador da República e magistrado federal, em constante contato com audiências, e sentindo em cada uma delas uma experiência e um inigualável aprendizado.

 

* Palestra proferida no Curso de Formação de Juízes Federais, na Escola da Magistratura Federal da 1ª Região – ESMAF. Brasília, 29.06.2007. Vallisney de Souza Oliveira (VSO)

 

categoria: Palestras