Discursos - Discurso 6

25/ 05 /2015

Discurso 6

Ideal de Justiça

Excelentíssimo Senhor Doutor Reginaldo Márcio Pereira, Juiz Federal Diretor do Foro. Agradeço a Vossa Excelência a idéia e a iniciativa da realização deste evento.

Ao caríssimo Juiz Federal Ricardo Augusto Sales quero dizer também muito obrigado pelas palavras bondosas, decerto vindas da nossa amizade e do respeito que nutrimos mutuamente um pelo outro. Eu acompanho o seu êxito, desde o tempo em que era meu aluno na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas. Presenciei sua escalada profissional de sucesso, desde os cargos de Procurador do Estado do Amazonas e de Juiz de Direito do Distrito Federal, até o cargo de Juiz Federal do Ceará e mais recentemente o de Juiz Federal no Amazonas.

Demais colegas juízes federais aqui presentes, senhores desembargadores, juízes e promotores, procuradores, advogados, professores da Universidade e estudantes, amigos, familiares. Senhoras e senhores.

Sinto agora uma emoção imensa com este gesto alegre de bondade e de estima.

Lembro que em 09 de novembro de 1992, em meu discurso de posse perante o Tribunal Regional Federal, depois de ser aprovado em Concurso Público para o cargo de juiz federal substituto, eu dizia que já entrava na magistratura com a marca da justiça. Essa marca da justiça sempre foi o meu norte e o meu sul, o meu leste e o meu oeste de razão e de idealização de vida e a minha busca maior como julgador.

E qual seria o sentido de justiça a que eu me referia naqueles tempos, senão aquele que se relaciona com a equidade, com o equilíbrio e com a verdade. Percebe bem melhor esse sentimento quem sofre uma injustiça. Como diz France Farago, “é a injustiça, nossa experiência mais comum, que, suscitando a revolta, faz nascer o sentimento de justiça”, ou seja, é a situação de iniquidade que evidencia a justiça.

O juiz precisa verificar no processo qual das partes está gerando essa situação de iniquidade para poder fazer o seu julgamento, o que não é muito fácil, porque amiúde a verdade se esconde no emaranhado de sofismas que turbam e perturbam a percepção do julgador, tanto que muitas vezes é preciso dizer, como em muitas oportunidades disse a mim mesmo: “auxilie-me ó Deus para que eu possa acertar, para que neste caso eu possa ofertar a proteção judiciária à pessoa que realmente deve merecer esta tutela jurídica”. Era com este coração aberto à verdade que eu invocava luzes à minha cognição sobre a causa.

É provável que nessa jornada muito tenha errado até mesmo em algumas ocasiões em que pensei ter dado a correta e induvidosa decisão. Posso eventualmente ter cometido injustiças e talvez até causado a alguém o inevitável sentimento de insatisfação e de revolta interior contra uma decisão judicial. Se isso alguma vez aconteceu não foi proposital, pois jamais atuei com o fim de favorecer ou prejudicar quem quer que seja ou para vingar-me ou para cometer prevaricação, porque trago comigo a consciência de que é fundamental aproximar o direito da justiça, a bondade da retidão, o sentimento da verdade, a pureza na percepção da isenção do veredicto. Se porventura cometi injustiças, tal ocorreu mais por ignorância ou por falta de experiência, mais pelas minhas limitações ou pela pressa naturalmente exigida para decidir, mais por não ter compreendido ou não ter conseguido alcançar fática e juridicamente o problema que me foi trazido.

A justiça. O que é a justiça senão algo que se concretiza muito mais do que se cogita; que se sente muito mais do que se propaga; que se pratica muito mais do que se sonha.

Estar em paz, apesar das tormentas e da controvérsia que agita o pensamento do julgador, estar em bom estado de espírito para decidir com equidade e racionalidade esse sempre foi o procedimento que procurei observar durante os anos em que aqui prestei jurisdição.

Senhores. Não pretendo nunca ser mencionado como o justiceiro ou vingador do povo ou cavaleiro que ganha todas as batalhas ou que nunca erra. Ter sido útil é o que me basta.  Ficaria sim muito satisfeito se, ao cumprir minha missão, ao mesmo tempo devoção, o meu julgamento, orientado pela minha busca pessoal do justo em qualquer litígio, pudesse ter feito alguém mais feliz e mais crente na atividade do Poder Judiciário.

Extrai-se da Epístola de São Paulo aos Romanos (I, 10) a máxima de que “é com o coração que se acredita na justiça”.

Entretanto, não são apenas os vestígios do meu ideal de justiça ou da minha minúscula participação na justiça federal do Amazonas que pretendo deixar aqui ou levar comigo.

Desejo, desta Casa, levar os bons momentos, os gestos de carinho, de gratidão e de companheirismo colhidos nos dias em que nós, juntos, costuramos o tecido do direito, a fim de aquecer de fé e esperança quem precisou de agasalho judicial.

Espero levar daqui para sempre uma corrente da mais sincera amizade, prima do afeto e irmã da compreensão. Essa amizade que brota do fundo do espírito, esse querer bem que nos socorre e nos acode nos momentos de dificuldades, nos momentos de saudades e de indeléveis lembranças.

Quero deixar aqui também o meu amor, esse sentimento sublime de querer bem a todos os que comigo compartilharam essa missão durante esses anos de magistratura federal no Amazonas.

Estarei sempre de braços abertos e o pensamento jamais apagado das imagens do cotidiano desta Seção Judiciária. Do contato diário com auxiliares, magistrados, procuradores da República, advogados e jurisdicionados, das horas de labuta e de cansaço, dos momentos de dúvida, dos despachos e das sentenças, das audiências longas e curtas, das decisões difíceis e fáceis e de tudo que a minha memória registrou neste cenário onde nós, servidores da sociedade, vivenciamos e continuamos a vivenciar, seja aqui, seja em outros campos, com a plantação e a frutificação do Direito.

Deixo a Judicatura Federal nesta Seção Judiciária, mas não deixo o amor pelo Amazonas, razão da minha vida e da minha existência, e por esta querida Manaus, cidade na qual eu vivi do início da minha adolescência até a maturidade. A partir de hoje, procurarei muito sentir, muito mais sentir, o abraço do retorno e o afeto da saudade neste Estado que eu não deixarei jamais de visitar e para onde retorno constantemente desde o tempo em que passei a atuar como juiz federal convocado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.

Passarei a ser expectador e torcedor do êxito e da felicidade tanto dos Juízes Federais, alguns com quem tive a honra de conviver, quanto dos funcionários, em especial os da minha inesquecível Segunda Vara Federal, com muitos dos quais tive a grande satisfação de trabalhar. A todos eu agradeço o apoio e o incentivo a mim sempre prestado.

Deixo a Justiça Federal do meu Estado, algo que me deixa às vezes triste e com sentimento de perda, essa perda voluntária que aos poucos no meu consciente fui aceitando.

Por outro lado, com incomensurável alegria agradeço a Deus por me proporcionar este momento de carinho, em que se reúnem magistrados, funcionários, procuradores, advogados, autoridades civis, familiares e amigos, nesta inesquecível e feliz homenagem a qual nem sei se sou merecedor.

Concluo com o poeta Rilke: “Tudo o que o torna algo mais do que foi até agora em suas melhores horas é bom. Toda intensificação é boa, quando está em todo o seu sangue, quando não é turva ebriedade, mas alegria cujo fundo se vê”.

E esta é uma das minhas melhores horas, uma alegria profunda que no meu semblante se pode facilmente perceber.

Muito obrigado!

 

Vallisney de Souza Oliveira. Discurso proferido por ocasião da solenidade de despedida da Justiça Federal do Amazonas, Manaus, 19.09.2006.

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