Discursos - Discurso 4

22/ 04 /2015

Discurso 4

Aprendizado Acadêmico

 

Magnífico Reitor da Universidade Federal do Amazonas, Prof. Dr. Hidemberg Orzogoith da Frota, a quem presto minhas homenagens, pedindo licença para saudar esta seleta mesa de trabalhos na pessoa do Excelentíssimo Senhor Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas, Prof. Clynio de Araújo Brandão. Estimado Professor Ananias Ribeiro Júnior e demais Professores da Universidade Federal do Amazonas. Meus estimados formandos. Senhoras e senhores. Quero fazer minhas saudações aos demais ouvintes na pessoa do Professor Afrânio de Sá, presente nesta cerimônia, e eminente mestre desta Casa, de quem todos nós temos orgulho de ter sido alunos.

Senti-me bastante alegre com o convite para ser o paraninfo desta turma – “primus inter pares” – de formandos em Direito desta tradicional Universidade, no Primeiro Semestre de 2003.

É compreensível essa minha alegria. Além da deferência que o convite representa, sempre que entro na Faculdade de Direito, como professor, nunca deixo de me sentir como aluno, pois foi nela que aprendi a apreciar a Ciência Jurídica, que antes já imaginava fascinante, levado pelos ensinamentos de dedicados professores de quem sinto saudades. Ainda mais porque “agora não é mais o mesmo banco, nem mais a mesma praça e muito menos a mesma jaqueira”, lá da Escadaria dos Remédios, no Centro da Cidade, porém “um ótimo e amplo espaço num grande bosque”, no Campus Universitário.

Sinto saudades em especial daqueles que tanto contribuíram com magníficas aulas, daqueles que sempre trouxeram uma palavra de incentivo, daqueles que se empenharam em fazer o máximo para incutir-me que o direito, apesar de ser um rio imenso e caudaloso, é tal qual o Amazonas, um rio perfeitamente navegável.

Bem me lembro dos estimados professores que foram e são exemplos de conduta, de paciência e de dedicação, tudo a demonstrar que o papel do professor também é o de incentivar e de compartilhar sonhos para realização de ideais e para a procura de um ensino mais eficiente. Para um ensino voltado tanto para resolução de questões teóricas como para o equacionamento de problemas práticos, em prol de um dia-a-dia mais próspero para o homem frente à necessidade de vivência e de sobrevivência.

É verdade. Nos bancos universitários aprendi que não basta apenas estudar o direito, mas também praticá-lo em todos os momentos da vida, nos tribunais, nas relações comerciais, profissionais e até domésticas e sentimentais. Passei a entender que o direito é força, aceitação do certo, rejeição do errado, busca da verdade, modo de compreender comportamentos humanos, diálogo, exemplo de ética e regra de conduta.

Na Faculdade ensinaram-me que direito é luta contra as injustiças sociais e nesse aprendizado fui ajudado também pelos doutrinadores, muitos dos quais escondidos nas estantes da nossa biblioteca, como Ihering, que me dizia em sua clássica obra que direito é luta e que “todos os direitos da humanidade foram conquistados na luta”.

Foi na Faculdade que aprendi a pensar no “delito e nas penas” pela mansidão da oração de Becaria e pela magnitude do provérbio dura lex sed lex e que amadureci minhas convicções, nas lições de Tornaghi, sobre liberdade e prisão. Com Lopes Meyrelles passei a refletir sobre os princípios da licitude e da moralidade na Administração Pública, sem contar outros tantos, vivos ou mortos, que deixaram seu legado para o meu diminuto entendimento da ciência jurídica.

Foi ainda nos bancos escolares que aprendi que vale a pena idealizar o direito e sonhar como uma sociedade mais pacífica e menos agressiva. Foi onde aprendi também que é necessário exercer o direito em sua plenitude, dentro da noção de que todos merecem fazer valer os seus direitos, de exercê-los dignamente, e de que são abomináveis as injustiças e todas as formas de desigualdade, de preconceitos e discriminações.

Foi na velha faculdade, lá na escadaria dos Remédios, que me dei conta de que para subir nas escadas da vida com justiça é preciso respeitar os direitos alheios e é preciso muito esforço e entusiasmo. E durante aqueles anos de convívio universitário também intui que vale a pena praticar todos os conceitos incrustados na cabeça, registrados nas provas e nos seminários para o aprimoramento do próprio ofício, em benefício da ciência jurídica e do bem comum.

Foi na universidade que passei a compreender um pouco o papel do juiz, do advogado, do legislador, do administrador, ou seja, a dinâmica da comunidade jurídica, e a entender melhor que cada um deve cumprir a sua missão no Estado e na sociedade, as leis devem ser interpretadas, as verbas públicas devem ser aplicadas de acordo com os princípios constitucionais e administrativos, que se deve dar especial atenção à família, à criança, ao adolescente, ao idoso e ao trabalhador.

Foi na Faculdade que aprendi que há um rosto por trás dos autos, uma verdade por trás dos ritos e que a investigação deve ser feita com as cautelas de um diligente inquérito policial. Aprendi, enfim, que o réu deve ser julgado com respeito ao contraditório e que o condenado deve cumprir a pena de acordo com as garantias que a Constituição e as leis lhe conferem, sendo abominável qualquer espécie de violência ou arbitrariedade provinda da atividade estatal.

Foi no bacharelado em Direito que soube que o maior dos direitos é a vida e que sem a vida digna não há liberdade e sem liberdade não há razão e sem razão somente há atropelos e indignidades.

Depois de, já lá se vão 15 anos, tornar-me Bacharel em Direito, conscientizei-me de que o direito é um universo que possui matizes de acordo com a evolução social e de que na profissão jurídica iria buscar meu alento para melhor compreender o sistema, vivenciando-o no dia-a-dia, bem como que, cultuando-o poderia ajudar aos outros e ajudando aos outros estaria ajudando a mim mesmo a moldar-me como cidadão e como agente público.

Passei a perceber mais nitidamente qual era a minha missão, pois cada um deve participar e colaborar com a sociedade, exercendo a profissão condignamente, defendendo causas, auxiliando a justiça, julgando, ensinando, legislando, executando e se inter-relacionando com as pessoas, pois direito é inevitável e essencial à vida humana.

Foi ao sair da faculdade que vi que ainda eram muitos os caminhos a trilhar, mas que também muito já havia caminhado, pois foi na academia que dei os primeiros passos na compreensão do espírito das leis e dos códigos, na percepção do Poder, da norma e da eqüidade. Foi no exercício da profissão jurídica que passei a sentir o direito diretamente ligado aos conflitos sociais e exposto às conjunturas políticas e econômicas que limitam a atuação do julgador, do administrador e do legislador.

Foi na atividade jurídica que me deparei com a adversidade da vida dos que procuram o Estado para resolver conflitos, com a angústia dos que esperam por um sim ou um não do Juiz, com a aflição dos injustiçados e vítimas, com a impotência do Poder Público para resolver incomensuráveis problemas individuais e coletivos, com a prepotência dos que se sentem acima da esfera da ordem jurídica, com a incessante violação a direitos humanos, com a sanidade ou demência dos que não acreditam na Justiça e com a ingenuidade dos que acreditam que a realidade das leis corresponde à realidade dos anseios populares.

Sempre procurei ver esse exercício como missão de um soldado do direito na busca de aprimoramento cada vez maior no desiderato de compreender cada momento da evolução social.

É por isso que ao retornar à Universidade Federal do Amazonas, na qualidade de professor, senti que o pouco de conhecimento que acumulei poderia dividir, o que vivenciei poderia compartilhar, o que errei poderia expor para exemplificar.

Perdoem-me por ocupar este momento de alegria comum para vir aqui falar de minha modesta experiência, mas é que quando falo da minha pessoa, mesmo que indiretamente toco na experiência única de cada um de vós, porque sei que a experiência da grande maioria foi ou será de alguma maneira semelhante e é inevitável: consumimos noites de sono acumulando inquietações na procura de uma luz nos mestres e nos livros, compartilhamos embates pessoais, conflitos, vitórias, derrotas, impotência para resolver as perguntas que sempre surgirão, dilemas de interpretação diante de matérias aparentemente sem solução.

Saibamos, entretanto, que todas essas expiações são experiências que podem no futuro redundar no melhor manejo de uma ação, na melhor posição para um parecer, na melhor razão para uma decisão, na melhor forma de interpor um recurso, enfim, na iluminação para uma resolução jurídica.

Conquanto a experiência sentida seja única, é a mesma a angústia de quem quer servir o direito, é igual à vontade sincera para criar e realizar e realizar-se. E é idêntica a pressa de quem quer chegar lá, reunindo conhecimentos, em contraste com a pouca firmeza e amadurecimento que somente os anos podem dar.

Assim, ao perscrutar o semblante de cada um de vós, caros afilhados, vejo o meu próprio e o de muitos professores e profissionais. E traslado este singelo passado para este presente, aliás, este presente feliz que vivenciais na data de hoje, parada estratégica da caminhada jurídica, iniciada anos atrás, à espera de mais desafios e realizações.

Já dizia Kelsen, em sua Teoria pura do direito, o direito, tal qual o rei Midas, tudo o que toca transforma em jurídico.

Caríssimos formandos é hora de procurarmos, com o direito na mão, transformar a Têmis de olhos vendados numa Deusa onisciente e desperta, atenta guardiã da sociedade.

Isso somente é possível se galoparmos no cavalo do esforço, da persuasão, da dedicação à justiça, da fé e da esperança para lutar em favor do bem, trazendo na sela os artefatos constitucionais e legais. E se tentarmos, com a espada afiada de palavras e certeira de letras, diminuir as iniqüidades; com a lança do argumento, investir contra os abusos e violações ao direito; com o escudo da sinceridade enterrar os engodos e a má-fé; com a disciplina da democracia em nós mesmos vergastar as tiranias, a fim de que, pelejando na arena do Direito, possamos servir à humanidade, na certeza de que servir à humanidade é servir à justiça e à sociedade que idealizamos em contraponto com a que vivenciamos.

O direito nos une e o direito é nosso destino e, sendo o nosso destino, podemos direcioná-lo para a nossa felicidade.

 

Avante e boa sorte a todos!

 

* Vallisney de Souza Oliveira (VSO). Discurso de Paraninfo aos formandos do Primeiro Semestre de 2003 da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Manaus. 13.08.2003.

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