Discursos - Discurso 3

26/ 02 /2015

Discurso 3

Iluminismo do Direito

 

Professor Hidemberg Ordozgoith da Frota, Magnífico Reitor da Universidade Federal do Amazonas. Professor José Russo, Diretor da Faculdade de Direito do Amazonas. Senhores Senadores Bernardo Cabral, Jéferson Peres e Deputado Federal Arthur Virgílio Neto. Senhor Vice-Governador Samuel Hanan. Senhores Professores e demais autoridades Presentes. Senhores e Senhoras. Caríssimos Bacharelandos, em especial Valtermir Lopes Lucas.

Grande honra me tributastes ao me elegerdes para vos paraninfar neste ato solene, em que vos é dado receber o prêmio de vossos esforços no dignificante título de Bacharel em Direito.

Dispenso-me de buscar as razões de tão carinhoso gesto, limitando-me a vos agradecer a generosidade da escolha.

Evoco o dia em que, já formado, aquiesci em conduzir, em meu automóvel, um amigo muito prezado que pretendia inscrever-se no concurso público para professor de nossa Faculdade de Direito. Era o último dia de inscrição. O curioso é que ele se inscreveu, mas inexplicavelmente desistiu do certame, e eu, que me inscrevera inesperadamente com o seu estímulo, aqui estou, no exercício da docência jurídica, ao lado de tantos com quem muito aprendi e continuo a aprender e aprendendo também com as turmas sempre renovadas de jovens, naquela rica interação que nos permite dizer, como diria Sêneca, docendo díscimus.

De fato. Ensinando, aprendemos. A máxima é sancionada pela sabedoria popular, que enfaticamente afirma que quem ensina aprende duas vezes.

Assim, no convívio acadêmico, muito convosco aprendi, pelo que não vos sou agradecido apenas pela distinção do paraninfado, mas também pela soma de conhecimentos que, questionando e opinando em minhas aulas, acrescentastes à minha diminuta bagagem técnica e cultural.

Nada estranho. Verdade axiomática é que todos ensinam a todos e todos aprendem com todos. O homem é um ser gregário, um animal político, como se vem repetindo desde Aristóteles. Certo sábio em certo dia afirmou que todo homem em alguma coisa é superior a um seu semelhante… Por isso todo homem tem sempre algo a ensinar a um seu próximo. Aliás, o que se vê na natureza é uma troca constante entre os seres. Que seria da abelha sem a flor que lhe fornece o néctar? O que seria da flor sem o pássaro que nela opera o milagre da polinização para gerar o fruto? O que seria do fruto sem o pássaro que, disseminando as suas sementes pelos campos e florestas, faz com que surjam novas árvores e flores e frutos para a perpetuação da vida?

O grau que vos será conferido, meus amigos, vos descerra a ampla janela que dá para as trilhas da carreira jurídica, na qual, como já deveis ter vislumbrado, são parcas as rosas e fartos os espinhos.

Qualquer que seja, entretanto, a direção que optardes por tomar, lembrai-vos sempre de que, ao recebê-lo, assumistes o compromisso, em juramento solene, de patrocinar o direito, exercer a justiça e jamais faltar à causa da humanidade.

Em vossa trajetória deveis agradecer a todos aqueles que contribuíram para que estejais hoje vivendo a noite mágica de vossa formatura. Não podeis olvidar as pessoas que colaboraram convosco, mesmo minimamente, como o colega que emprestou seu caderno de anotações da aula a que não pudestes comparecer ou o companheiro das noites de estudo em grupo. Sereis agradecidos aos vossos pais e assemelhados, aos vossos cônjuges e namorados, aos amigos que por vós torceram porque vos acreditavam nascidos para o êxito e que por isso muito pacientemente suportaram as vossas ausências quando muito queriam as vossas presenças.

Havereis de valorizar o esforço por vezes ingente dos anos de faculdade, nos quais não foram raros os momentos de tensão, as noites mal dormidas, as horas sobre os livros, na preparação para as provas e na elaboração de trabalhos escolares, tudo de mistura com os afazeres do dia-a-dia, naquela azáfama de que se faz a caminhada dos vencedores, como liricamente define e vaticina Thiago de Mello:

“De mãos encardidas,

de olhos manchados,

sobrevivemos.

Resguardamos o rumo e a esperança.

No caminho do amor ninguém se cansa,

porque se aprende a olhar de frente o sol”

 

Aprendei e muito aprendei, estimados alunos, a olhar de frente tanto os raios negativos das dificuldades, quanto os raios positivos das oportunidades, enfrentando com firmeza aqueles e recebendo com determinação estes, para serdes vitoriosos em qualquer que seja o rumo profissional por que vos definirdes.

Não deixeis que feneça a esperança de que todos aqui, no plano pessoal, possam construir uma vida digna com suporte no direito, que vos há de proporcionar não apenas a realização material, por meio de posições no podium das atividades a que dá acesso, mas também há de ensejar às comunidades a que servirdes muitas felicidades e benesses.

Que se concretize a esperança de que possais auxiliar na construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, como almejaram os representantes do povo brasileiro ao promulgar a Constituição vigente desta nossa muito amada República Federativa do Brasil.

Que se concretize a esperança de que havereis de operar o direito para o progresso da humanidade, a fim de que todas as gentes possam usufruir dos avanços culturais, científicos e tecnológicos.

Que se realize a esperança de que sabereis atuar no sentido de que se extinga a barbárie que avulta e cresce em diversas regiões do nosso país e do mundo e com ela suas mais nítidas expressões, como a miséria que avilta, a concentração de riqueza que humilha, a violência que apavora, a guerra que tripudia sobre a paz, esses males sociais, econômicos e morais que escondem o lado generoso do ser humano, como se o ser humano não tivesse sido criado à imagem e semelhança de Deus.

Para a consecução desse desiderato, é vital, na magistratura ou no ministério público, na advocacia ou no magistério ou em qualquer outra profissão do universo jurídico, que acrediteis e luteis, até o limite de vossas forças, para a minimização das injustiças no mundo, para o fortalecimento crescente da liberdade, da igualdade, da ética e do respeito à cidadania.

Não deveis esquecer que a matéria jurídica demanda cuidadoso trabalho na interpretação e na aplicação dos códigos e dos julgados, enfim, incessante estudo, como oportunamente proclamou humildemente o genial Rui, em sua Oração aos Moços: “Estudante sou. Nada mais”.

Efetivamente não podeis nem deveis parar. Sem dúvida, o grau de bacharel é um grande e merecido galardão, mas há muito que conquistar, muitas lonjuras a alcançar, muitas estradas a percorrer, muitas montanhas escarpadas a subir.

Fazei, diletos amigos, esta reflexão de Matias Aires: “Sempre apetecemos que o futuro chegue: o passado parece-nos que não foi mais do que um instante; o presente, apenas os sentimentos; e julgamos que o futuro está ainda mui distante”.

Os anos se acumularão sobre esta noite, tornando este acontecimento cada vez esmaecido no tempo… Olhareis por certo para trás, saudosos das amizades que consolidastes na Faculdade de Direito do Amazonas, a única que remanesce da primeira universidade brasileira. Como tantos outros que, depois de ocuparem seus bancos quase centenários, se tornaram nomes respeitáveis mesmo no cenário nacional, refletireis, então, como foi importante em vossas vidas tê-la frequentado.

É hora, estimados colegas, de olhar para frente, reunir o próprio cabedal de conhecimentos adquiridos, com esforço e dedicação. Assim equipado seguir viagem e enfrentar os embates da profissão, com a esperança de que a névoa da madrugada já se tenha desfeito em clara manhã e de que agora, portanto, já seja possível perscrutar o céu e constatar se haverá bom ou mau tempo.

Sabei que nem sempre haverá verões, mas nos dias hibernais é necessário agasalhar-se na disciplina e na vontade para vencer o frio do desemprego, da falta de oportunidades, dos eventuais insucessos em concursos públicos ou das inevitáveis sucumbências, considerando esses reveses apenas como nuvens passageiras, pois para quem persevera virão dias em que os ventos da fortuna soprarão prosperamente. Audaces fortuna iuvat. É uma verdade indesmentível. Sede, pois, audazes.

Procurai ser também corajosos e prudentes, pois não é fácil ser defensor, ser acusador, ser julgador… Lembrai-vos de que para cumprir a sábia máxima de Ulpiano, jurista romano do século II Depois de Cristo, segundo a qual se deve conceder a cada qual o que é seu, não é fácil encontrar exatamente o que toca a cada um.

Desvendai os olhos da justiça, descobri que, sob qualquer ângulo, o direito mostra a direção para dissipar a desarmonia e que somente a luz da justiça poderá bem levar à realização dos embates das relações humanas. Geralmente essa luz está no estudo das leis, dos precedentes dos tribunais, dos princípios gerais de direito e da doutrina. Porém, há um clarão que ilumina mais: é o que emana do coração de cada operador da ciência jurídica, que deve entregar-se à causa como se entrega a uma inevitável paixão amorosa: de corpo e alma…

Desejo-vos boa sorte e formulo votos por um mundo melhor, em que todos possam viver em sociedades mais equânimes e solidárias, como verdadeiros irmãos, que somos todos.

E que cada um de vós, nesses caminhos que agora se abrem, possais encontrar no servir ao próximo a felicidade e na dedicação ao direito a paz interior. Felicidade e paz: duas pedras preciosas que, como sóis de primeira grandeza, iluminam o espírito e enobrecem o ser humano.

Esta noite não será a última grande reunião de amigos e colegas de turma, porque cuidarão as lembranças, a amizade e o direito de manter o elo entre cada um de nós.

Por isso, não preciso dizer-vos adeus, esta palavra tão pungente e definitiva, pois estou convicto de que permanecereis comigo, pela força do meu afeto.

 

* Vallisney de Souza Oliveira. Discurso de Paraninfo aos formandos do segundo semestre de 2001 da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas. Manaus, 03.05.2002.

 

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