Vítima e flagrante
“Autor, vítima, advogado e escrivão esperavam pelo comissário.
– Então Doutor, tudo resolvido? Disse o advogado;
– Tudo, vamos continuar o auto de flagrante [disse o comissário]
– Doutor, meu cliente foi impelido por relevante valor moral, logo em seguida à injusta provocação da vítima;
– Diga isso ao juiz;
– Doutor, até o senhor, que é um homem instruído, ao contrário do meu cliente que é um estivador do cais do porto, um homem rude analfabeto, até o senhor perderia a paciência se sua esposa lhe dissesse o que a mulher do meu cliente disse a ele;
– Eu já pedi desculpas, sussurrou humilde a mulher, do fundo da sala.
– Ela está arrependida, sabe que errou, pediu desculpas, o senhor não ouviu, disse o advogado;
– Esse crime é de ação pública, não me interessa a opinião da vítima, vamos continuar o flagrante.
– Doutor, ela chamou o meu cliente de broxa, algum marido pode ouvir a própria esposa chamá-lo de broxa sem perder a cabeça? Hein? Tem dó!
– Ninguém mais autorizado a chamar um sujeito de broxa do que a própria mulher, disse o comissário.
O flagrante foi lavrado, assinado e a mulher enviada a exame de corpo de delito. O marido pagou uma pequena fiança como mandava a lei e foi liberado” (Rubem Fonseca, Agosto)