Artigos - O saque do FGTS para tratamento de saúde e a interpretação dos Tribunais

25/ 11 /2014

O saque do FGTS para tratamento de saúde e a interpretação dos Tribunais

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, instituído para proteção ao trabalhador e sua família, é produto da contribuição do empregador no percentual de 8% destinado ao Fundo gerido por um Conselho Curador cujos recursos visam a programas sociais, inclusive habitacionais.

A Lei n. 8.036/90, editada para proteger o empregado das vicissitudes da vida, possui relevante fim social, razão pela qual não é permitido o saque dos valores depositados no Fundo a qualquer instante, mas apenas quando estiverem presentes as hipóteses especificadas no art. 20 da mesma Lei. Tal disposição legal se coaduna com o princípio constitucional da dignidade humana (art. 1º, III, CF/88) e com o objetivo do Brasil de promover o bem de todos (art. 3º, IV, CF/88).

Para tratamento de saúde a legislação somente admite o levantamento na hipótese de neoplasia maligna (câncer), de vírus HIV e de doença em estado terminal, males que acometam o trabalhador ou um de seus dependentes.

É presumida a dependência econômica dos filhos menores e cônjuge, porém a de pais e de outros dependentes precisa ser comprovada perante o órgão gestor com documentos, como declarações de imposto de renda, recibos etc.

Quando o problema de saúde do trabalhador ou de seu familiar decorre de alguma doença não prevista em lei a Caixa Econômica Federal (agente operadora do Fundo) nega o pedido só restando ao fundista inconformado promover uma ação visando ao recebimento integral (em parcela única) dos valores depositados em sua conta.

Os juízes dão interpretação extensiva ao art. 20 da Lei n. 8.036/90 e consideram que o rol de hipóteses legais não é taxativo (não obedece ao numerus clausus). Em geral analisam cada situação: aferem a gravidade da doença, se não prevista em lei, se influenciam pelos exames e pareceres médicos, e, na hipótese de dependente econômico, exigem a comprovação da dependência, em especial a prova testemunhal, sem abrirem mão, como regra, do início de prova documental.

O Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais Federais reconhecem que algumas doenças, mesmo sem previsão legal, autorizam o levantamento do FGTS para o tratamento de saúde, entre as quais: pan encefalite esclerosante; lúpus eritematoso sistêmico; hiperinsuflação pulmonar; ataxia espinocerebelar – doença degenerativa; mal de Parkinson; cardiopatia grave; adenoamigdalite crônica; esclerose lateral amiotrófica; paralisia cerebral quadriplégica espática, cegueira noturna e epilepsia; esclerose múltipla; AVC – Acidente Vascular Cerebral; leucodistrofia metacromática; hepatite C crônica; tetraplegia em que há necessidade de tratamento no exterior; charcot Marie Tooth – doença degenerativa; doença de Behçet; pneumopatia crônica; meningite tuberculosa; poliomelite (aquisição de cadeira de rodas); síndrome de Seckel; autismo com retardo mental grave e espondilite.

É certo que em determinados casos os tribunais são bastante condescendentes, ao determinarem o levantamento do saldo do FGTS diante de simples alegação de dificuldades financeiras do trabalhador para tratamento de saúde, ou quando não examinam devidamente a prova da dependência econômica ou na hipótese de doenças sem gravidade alguma.

De todo modo, a lei não consegue alcançar as diversas situações da vida, nem pode automaticamente atualizar-se em relação ao surgimento de novas doenças ou da evolução da medicina. Aliás, muitas vezes somente depois de reiteradas decisões judiciais o legislador inova alterando a legislação para prever novas doenças autorizadoras do levantamento, como ocorreu com o vírus da HIV e a neoplasia maligna.

Incumbe ao Judiciário, principalmente nas demandas do cidadão em face do Poder Público, para o fim de conceder ou não ao trabalhador o dinheiro depositado pelo empregador em seu nome, decidir pelos valores contrapostos que devem prevalecer e optar entre um princípio genérico constitucional e uma norma específica infraconstitucional.­

Nota-se, enfim, um avanço positivo na jurisprudência, porque os tribunais, à míngua de previsão legal autorizadora do saque e mesmo em detrimento do alegado risco de solidez do Fundo, prestigiam inegavelmente o direito à vida e à saúde do trabalhador e de seus familiares.

 

Vallisney de Souza Oliveira. Publicado também no Informativo Consulex, nº 2/2012, de 09/01/2012 – Seção: Tribuna Jurídica. Editora Consulex.

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