Artigos - O nosso velho novo Mandado de Segurança

01/ 12 /2013

O nosso velho novo Mandado de Segurança

A Lei n. 12.016, de sete de agosto de 2009, não inaugura um novo ordenamento jurídico do mandado de segurança, mas consagra uma garantia constitucional genuinamente brasileira, destinada a proteger direitos do cidadão contra os abusos do poder público.

Desde a Constituição de 1934, todas as seguintes, com exceção da de 1937, acolheram a garantia do mandamus para proteção a direitos diferentes dos da liberdade de locomoção, estes já protegidos pelo habeas corpus. Ao revogar as então vigentes Leis n. 1.533, de 1951, e n. 4.348, de 1964, e outras normas referentes ao tema, a Lei n. 12.016/2009 apresenta poucas novidades, mesmo porque seu escopo foi reunir a legislação esparsa numa única lei, considerando as posições sedimentadas na doutrina e na jurisprudência.

Entre seus pontos positivos aponta-se a tipificação como crime de desobediência para a autoridade que não cumpre uma ordem judicial (liminar ou sentença). E autoridade, para fins do mandado de segurança, é “autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (inc. LIX do art. 5° da Constituição de 1988), seja de que categoria for e sejam quais forem as funções exercidas, inclusive entram nesse rol os órgãos de partidos políticos e as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público (Lei n. 12.016/2009).

Outro ponto louvável é a não obrigatoriedade da efetiva manifestação do Ministério Público no mandado de segurança, o que contribuirá um pouco para a economia no processo e propiciará a especial atenção do agente ministerial aos casos de real interesse público.

Um aspecto negativo é a faculdade dada ao juiz, como requisito para concessão da liminar, de exigir caução, fiança ou depósito bancário com o objetivo de assegurar o ressarcimento da pessoa jurídica. Cuida-se de medida restritiva ao uso de garantia democrática, cujo cumprimento esbarrará na impossibilidade econômica de algumas pessoas, principalmente pessoas físicas, de fazerem a aludida contraprestação. Assim posta tal inovação, em algumas hipóteses ocorrerá séria violação ao princípio constitucional da igualdade: entre ricos e pobres, entre cidadãos e empresas, enfim, entre quem pode ou não dar garantia.

Também, segundo a Lei, o mandado de segurança possui tratamento prioritário em relação às ações normais e pode ser processado por meio eletrônico. Outra regra original é a obrigatoriedade, por parte da autoridade administrativa impetrada, de remeter uma cópia do mandado de notificação judicial ao órgão de representação jurídica ao qual está vinculada, a fim de facilitar a defesa da Administração Pública.

O ineditismo maior da Lei se sobressai na regulamentação do mandado de segurança coletivo, que pode ser proposto por partido político, entidade de classe ou associação, em defesa de direitos coletivos ou individuais homogêneos, líquidos e certos, de seus integrantes ou associados, tratando-se de evolução legislativa nessa matéria.

Contudo, em geral, a nova Lei apenas reitera as normas revogadas ou insere posicionamento já consolidado na jurisprudência.

Assim como já constava da Lei n. 1.533, de 1951, é cabível a medida liminar para a suspensão do ato impugnado e o recurso de agravo (inovação da Lei) não terá, em regra, efeito suspensivo. A prova a ser produzida é exclusivamente documental. Não cabem perícias ou testemunhos. Os prazos são curtos, com previsão de poucos atos processuais até o termo final. Não há despesas com pagamento de honorários judiciais e é incabível o recurso de embargos infringentes.

Porém, a Lei n. 12.016/2009 incorre nos equívocos da legislação anterior, ao proibir que o juiz conceda liminares em determinadas matérias, tais como entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior e aumento ou pagamento de qualquer natureza a servidor público.

Outro aspecto negativo da Lei é a manutenção do absurdo mecanismo de suspensão da segurança pelo presidente do tribunal, meio de impugnação ilegítimo, autoritário e desnecessário em face do recurso próprio de agravo de instrumento.

Tanto a proibição de liminares, como a manutenção da esdrúxula modalidade de suspensão da segurança, são normas inconstitucionais, porque restringem ilegitimamente o acesso à justiça, interferem indevidamente na atividade essencial do Poder Judiciário e violam drasticamente o princípio do juiz natural.

Seja como for, tudo leva a crer que o velho e usual instituto, tão conhecido e preferido pelos advogados, agora de vestimenta nova, veio para ficar por mais outras tantas décadas, como ocorreu com a Lei n. 1.533, de 1951, agora revogada.

Por fim, num contexto de ausência generalizada de sintonia entre a dinâmica da vida e a jurisdição comum ordinária, a ação especial de mandado de segurança continuará exercendo papel importante no quadro forense brasileiro, como garantia de acentuada eficácia e instrumentalidade para consagração e proteção do Direito contra o arbítrio.

 

Vallisney de Souza Oliveira (VSO). Publicado tb. no Jornal Correio Braziliense, Suplemento “Direito e Justiça”, em 21.09.2009.

categoria: Artigos