Artigos - Execução de título extrajudicial e efetividade do processo civil

01/ 06 /2014

Execução de título extrajudicial e efetividade do processo civil

INTRODUÇÃO. Mediante atos forçados visando ao cumprimento da obrigação constante do título, o processo de execução tem seu ápice com a satisfação total da obrigação. Mas na prática forense, sabe-se que quem possui um documento reconhecido pelo Estado, com força executiva, muitas vezes não consegue ter êxito na busca de seu crédito, considerando-se as inúmeras modalidades de escapatória que possui o executado nos meandros complexos do túnel legislativo-judiciário.

Desde 21 de janeiro de 2007 estão em vigor novas regras da execução civil contra devedor solvente, que propiciam mais garantias a quem possui um título executivo extrajudicial e minimizam a demora do ineficaz sistema de satisfação do crédito até então vigente.

A Lei n. 11.382/2006 (que alterou o Livro II do CPC) procurou dar força e presteza à atividade de cumprimento da obrigação contida no título executivo, razão pela qual pode ser considerada uma das mais importantes normas processuais das últimas décadas. Não extremamente avançada como se sonharia, porém, sem dúvida, com aptidão para contribuir expressivamente para a realização de um processo civil com resultados bastante positivos.

Ressalta-se a importância desse novo regime executivo com repercussão nos deveres e nos direitos dos cidadãos e também nas relações pessoais, empresariais e de consumo.

Assim, passados alguns anos de entrada em vigor é curial que, sob a ótica da efetividade processual, se faça uma análise de alguns pontos importantes dessa ampla reforma.

 

1. LEI N. 11.382/2006. Sem embargo de não ter havido mudança profunda e estrutural, apta a resolver todos os problemas relacionados com a ineficácia e com a demora na cobrança judicial dos títulos extrajudiciais, as inovações da Lei n. 11.382/2006 eram altamente positivas, inclusive porque levaram em conta evidências da jurisprudência, da doutrina e do direito comparado.

A ausência de efetividade é, realmente, prejudicial ao devido processo: obriga o titular do direito contido no título executivo, este considerado de altíssima probabilidade jurídica pelo Estado, a se submeter ao confuso e demorado processo de expropriação, amiúde suspenso, inclusive por recursos, sem olvidar a inoperância de muitas regras processuais civis.

Em conformidade com o princípio da economia, a nova execução extrajudicial passou a contar com um conjunto de regras operativas. A norma dá mais força ao título executivo, conquanto não a ponto de desrespeitar o princípio de que toda execução deve ser a menos gravosa possível, até porque na execução o juiz também pode agir com sensatez e aplicar critérios de proporcionalidade visando à justiça.

É de se notar, contudo, que em alguns aspectos poderia ter havido um maior reforço da efetividade do crédito, como, por exemplo, em relação às regras da impenhorabilidade. Apesar disso, ocorreu um aperfeiçoamento legislativo por trazer mais simplicidade e facilidade ao cumprimento das obrigações civis constantes dos títulos executivos.

As normas alteradas pela aludida Lei foram basicamente as do Livro II do CPC, referente ao Processo de Execução. Por aplicação analógica, além de refletirem no tópico referente ao cumprimento da sentença (Livro I do CPC), tais modificações alcançaram o executivo fiscal, a execução trabalhista, a execução dos Juizados Especiais Cíveis, entre outras áreas, considerando que muitas disposições da Lei n. 11.382/2006 constituem normas gerais da relação executiva e não simplesmente alterações rituais específicas.

O juiz passou a ter mais poderes no procedimento para a satisfação do título, cabendo-lhe determinar a penhora de ativos financeiros, esta a mais potente arma contra a inoperância de atos executivos. Cabe-lhe ainda impor ao devedor a sanção por obstrução à dignidade da justiça, verificar o modo mais adequado de cumprimento da execução e dar ou não efeitos suspensivos aos embargos do executado[1].

Além da concessão de mais atribuições e mais poderes ao órgão judicial, a Lei 11.382/2006 contém novidades, algumas até insuficientes para alcançar grandes resultados. De qualquer maneira, resguardando atributos tradicionais e idêntica estrutura formal do Livro II do CPC, a execução civil de título extrajudicial contém regras inovadoras.

 

2. INDICAÇÃO DE BENS À PENHORA: DEVER DO EXECUTADO. No art. 600 do CPC diversas atitudes do executado são arroladas como atos atentatórios à dignidade da justiça e, portanto, passíveis de sanções.

O anterior inciso IV do art. 600 do mesmo Estatuto considerava ato atentatório à dignidade da justiça a conduta do devedor que não indicava ao juiz onde se encontravam os bens sujeitos à execução. Esse dispositivo foi modificado porque a prática demonstrou que, apesar da redação legal, a regra por si só não era suficiente para dar aplicabilidade à pena, quando houvesse esse tipo de conduta. Ou seja, quando o executado deixasse de fazer a prévia indicação de seus bens a serem penhorados e a apresentação do rol de seu patrimônio[2].

Mais enfático e mais exequível, por força da Lei n. 11.382/2006, o inciso IV do art. 600 dispõe: Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da justiça o ato do executado que: IV – intimado, não indica ao juiz, em cinco dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.

Segundo esse preceito, se por um lado a não apresentação de bens configura ato atentatório à dignidade do Judiciário e violação aos seus mandamentos, por outro, é necessário que o executado seja intimado especificamente para esse fim.

O legislador pretendeu tornar induvidosa a caracterização do que seja desrespeito à justiça. É necessária a oferta de oportunidade para a especificação (indicação) do bem pelo executado para se poder estimar ter havido o ato de desrespeito, que, na redação anterior do CPC (art. 600, IV), ocorria quando o executado deixava de indicar ao juiz onde se encontravam os bens sujeitos à execução.

Para a incidência da sanção, de qualquer maneira é imprescindível o contraditório: intimação do devedor para dizer se possui e onde se encontram seus bens, em cinco dias. Isso poderá ocorrer em qualquer momento do processo, uma vez que o executado não pode mais nomear bens à penhora, como se fazia anteriormente.

Portanto, de acordo com o art. 600, IV, do CPC, o juiz pode intimar, a qualquer tempo, o executado para dizer onde estão seus bens e o não cumprimento da ordem, em cinco dias, lhe submete à aplicação da pena de multa de até 20% (vinte por cento) do débito atualizado em favor do exequente.

Sem desprezar o dever na indicação de bens[3], mediante ordem judicial, e o fim da nomeação, por esse novo dispositivo é concedido maior poder ao magistrado para forçar a pontualidade no pagamento da dívida e o cumprimento mais ágil da obrigação.

 

3. AVERBAÇÃO DA EXECUÇÃO E FRAUDE. Outro dispositivo acrescido ao CPC de 1973 por força da Lei n. 11.382/2006 prevê a possibilidade de averbação da execução junto aos órgãos competentes (cartórios, Departamentos de Trânsito etc.) visando ao conhecimento a terceiros e à prevenção de fraudes.

Segundo o art. 615-A do CPC, com a nova redação dada pela Lei n. 11.382/2006, no ato da distribuição judicial o credor pode obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução visando à averbação junto ao cartório de imóveis e aos órgãos de registro de veículos e de outros bens.

Proposta a ação de execução e de posse da certidão o exequente, às suas expensas, pode ir ao cartório ou ao órgão de registro de bens fazer a averbação da execução com o escopo de tornar gravado processualmente eventual bem inscrito numa daquelas instituições.

Segundo os parágrafos desse mesmo artigo, o autor da execução deve comunicar ao juiz as averbações feitas, no prazo de dez dias contados da averbação, sem prejuízo das instruções a serem especificadas pelos tribunais. Formalizada a penhora, o juiz determinará o cancelamento das averbações somente em relação aos bens que deixaram de ser penhorados, mantendo-se a averbação do bem efetivamente penhorado.

Importante regra se encontra no § 3º do mesmo art. 615-A, segundo o qual, “presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593)”.

Esta modalidade de fraude (art. 593 do CPC) ocorre quando o devedor aliena o bem objeto da execução averbada, não tendo outros para fazer face ao pagamento da dívida, conforme dispõe o § 3º do art. 615-A.

Merecem ser transcritas as observações de Luiz R. Wambier, Teresa A. A. Wambier e José M. G. Medina: “Interessante observar que, embora se possa realmente falar de uma nova hipótese de fraude à execução, esta é bastante peculiar, pois só pode ser aferida a posteriori, a partir de uma ótica retroativa. Penhorado o bem hoje, já se pode considerar ter havido fraude à execução se a alienação teve lugar depois da averbação, na certidão do imóvel, da certidão de que havia execução em curso contra o proprietário (art. 615-A, § 3º). Não penhorado o bem, a simples averbação de que trata o art. 615-A, § 3º, por si só, não gera fraude, até porque deve ser cancelada” [4].

Se o executado aliena bens, não tendo outros para garantir a execução, a apresentação da certidão judicial – com dados do valor da causa e nomes das partes, nos Departamentos de Trânsito, nos Cartórios etc. – e a necessária averbação possibilitará que a eventual alienação de algum bem efetivamente penhorado, cuja averbação no órgão competente subsista, seja considerada fraude executiva[5].

Ocorrendo a averbação da execução nos órgãos de registro, o bem efetivamente penhorado não precisa ser levado ao ofício imobiliário ou a outro órgão para a averbação da penhora. Nessa hipótese, a averbação (da execução) pré-existe e a ordem do juiz é para cancelar a averbação de bens referentes àqueles que não foram penhorados, valendo a averbação executiva para aqueles que foram penhorados.

Em caso de averbação manifestamente indevida o executado pode fazer incidentalmente aos autos da execução, o pedido de indenização por perdas e danos contra o exequente (§ 4º do art. 615-A).

A averbação constitui medida eficaz, porque o credor se antecipa e ganha tempo, ao não dar oportunidade para que o devedor, sabendo da demanda executiva por ocasião do ato citatório, aliene ou tente alienar fraudulentamente o bem.

Tal inovação contribui em certa medida para o combate à fraude e se encontra de acordo com a efetividade do processo em prol da segurança jurídica principalmente aos terceiros de boa-fé.

 

4. IMPENHORABILIDADE DE BENS. A penhora tem como requisito a existência de patrimônio do executado, porquanto, como regra, a execução deve atingir somente bens, mesmo porque, salvo exceções, a penhora sobre a pessoa significa violar o princípio constitucional da dignidade humana.

Sem bens não há execução, por ser esta essencialmente patrimonial. É que, “da mesma forma, no processo de execução, os atos ali praticados em função imediata da satisfação do direito do credor exequente tem como limites jurídicos as barreiras correspondentes aos lindes do patrimônio do devedor[6].

Se o executado possui bens importa saber se tais bens são penhoráveis. Para evitar o risco de violação a direitos fundamentais o legislador dispõe que alguns bens estão imunes à penhora impondo limites à constrição judicial.

O Código de Processo Civil de 1973, no que se refere às hipóteses de impenhorabilidade constantes dos artigos 649 e 650, não sofreu substancial modificação com o advento da Lei n. 11.382/2006. Teria havido mudança significativa se não tivesse ocorrido o veto a dois importantes dispositivos do Projeto de Lei aprovado na Câmara e no Senado (PL n. 4.497/2004/CD e PLC n. 51/2006/SF).

Após passar pelo Congresso Nacional, foi vetada pelo Presidente da República a regra que previa a penhora de vencimentos, salários e ganhos do trabalho de um modo geral.

O projeto de lei admitia a penhora apenas daquilo que excedia a vinte salários mínimos, depois de feitos os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária e outros descontos obrigatórios. (§ 3º do art. 649 do CPC).

Outro dispositivo vetado dizia respeito à possibilidade de penhora do imóvel considerado bem de família, quando de valor superior a mil salários mínimos, “caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao devedor, sob cláusula de impenhorabilidade” (parágrafo único, art. 650, CPC)[7].

Não havia razão plausível para a não aceitação das novidades acerca da penhorabilidade constantes do projeto original, porque não atingiam os pobres ou a dignidade humana, e sim o crédito do devedor, titular de bens e com condições econômicas de pagar a dívida sem precisar sacrificar o mínimo de sobrevivência[8].

Diante disso, continua a existir a impenhorabilidade do imóvel, seja com valor inferior ou superior a mil salários mínimos. Qualquer bem imóvel, de dois milhões ou de dois mil reais, é impenhorável, se considerado bem de família, conforme as disposições dadas pela Lei n. 8.009/1990[9].

É possível penhora de salário somente em caso de execução de prestação de pensão alimentícia (§ 2º, art. 649, CPC) e isto não é nenhuma novidade. Aliás, o sistema da penhora do salário há muito tempo dá certo na execução de alimentos, por ser muito mais operativo do que a alienação de bens em hasta pública, do que usufruto de bem imóvel e do que a alienação pelo próprio exequente[10].

Restaram, assim, pouquíssimos avanços no regime de bens penhoráveis e impenhoráveis.

São absolutamente impenhoráveis os móveis e outras utilidades domésticas da residência do executado, desde que não sejam de elevado valor ou que não ultrapassem as necessidades comuns de um médio padrão de vida; são impenhoráveis os vestuários, salvo se de elevado valor. Também são impenhoráveis absolutamente a pequena propriedade rural familiar e os recursos públicos “recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social” (art. 649, IX, CPC).

São penhoráveis os recursos aplicados em caderneta de poupança, somente no que exceder a quarenta salários mínimos (art. 649, X, CPC). Tal impenhorabilidade tem por fim fomentar o investimento em poupança, mas cria o problema de tornar impenhoráveis valores que, depositados poderiam facilmente cobrir parte ou toda a dívida, o que faz com que tal dispositivo algumas vezes possa tornar-se um óbice à efetividade.

Assim sendo, o juiz pode determinar a penhora de ativos, de ofício ou a requerimento do credor, conquanto não possa dar a ordem para a penhora de ativos de até 40 (quarenta) salários mínimos em depósitos de poupança.

A regra tem por escopo estimular os recursos da caderneta de poupança. O risco se assenta na cobrança dos créditos abaixo desse valor, mesmo porque nem todo mundo possui dinheiro em depósito bancário e o cidadão que assim age é porque de alguma maneira tem dinheiro sobrando. Esse excedente poderia muito bem servir como objeto de penhora, quando o executado por algum motivo não cumprisse a obrigação, mesmo depois da propositura da execução.

Não há também impenhorabilidade do bem adquirido e que serve como garantia do próprio negócio jurídico realizado, pois a “impenhorabilidade não é oponível ao crédito concedido para aquisição do próprio bem” (§ 1º, art. 649, CPC).

Em geral, o novo regime executivo de bens mantém a tradição de considerar desnecessariamente muitos bens impenhoráveis fora da realidade atual, numa tendência de proteção demasiada do devedor. Esse sistema não contribui para a efetividade, é certo, sem embargo de que a reforma de 2006 trouxe pelo menos alguns melhoramentos nesse sentido, como a previsão expressa da penhora de ativos financeiros.

 

5. PENHORA DE ATIVOS FINANCEIROS. No regime processual anterior, a penhora consistia basicamente na localização e na constrição de bens geralmente móveis e imóveis do executado, sendo muito difícil a pratica de localização e penhora de dinheiro aplicado em instituição financeira, até pela preservação do sigilo bancário que normalmente os juízes se deparavam como limite.

No entanto, os tempos mudaram, mesmo porque a riqueza não circula somente em imobiliário ou mobiliário, mas também e principalmente por outros meios como em direitos e títulos financeiros.

A fim de se dar mais efetividade à execução civil, com a Lei n. 11.382/2006 houve uma disposição apropriada para o direcionamento da preferência para fins de penhora. O art. 655 do CPC reformado especifica que o dinheiro, primeiro item da ordem de preferência da penhora, pode ser tanto em espécie, como em depósito ou em aplicação financeira. O resultado dessa regra é a maior praticidade do sistema.

Outra alteração trazida pela Lei n. 11.382/2006 diz respeito à penhora de dinheiro em aplicação financeira ou depósito. Assim é que, “a requerimento do exequente”, o juiz “requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário” de preferência por via eletrônica, “informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor na exceção” (art. 655-A do CPC)[11].

Para tanto, o juiz deve informar ao Banco Central, supervisor do sistema bancário nacional, qual é o valor da execução a fim de que as informações e a indisponibilidade se restrinjam a tais limites (§ 1º do art. 655-A).

A propósito, já era uma realidade, antes mesmo da reforma executiva civil, a implantação e o funcionamento do sistema de localização de ativos financeiros, principalmente com a autorização legal para fins de execução fiscal, com base no art. 185-A do CTN, com a redação dada pela Lei Complementar n. 118/2005. Segundo esse dispositivo, consumada a citação, se o contribuinte não apresenta bens à penhora no prazo legal e caso não sejam encontrados bens penhoráveis[12], o magistrado pode ordenar a disponibilidade dos seus direitos e bens. Após o ato, o juiz comunica sua decisão, geralmente por meio eletrônico, às entidades promotoras de registros e transferências de bens, tais como à autoridade supervisora do mercado bancário e do mercado de capitais para darem cumprimento à decisão.

Com o vigente art. 655-A do CPC, o juiz civil passou a ter poderes para determinar, a requerimento do exequente, a indisponibilidade de bens para fins de penhora. Pode até fazê-lo de ofício, com base no seu poder geral de cautela a fim de assegurar a utilidade da tutela executiva.

O ônus da prova da impenhorabilidade será do executado e não do exequente, quanto aos ativos penhorados, pois compete “ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente” dizem respeito a salários e vencimentos, revestidos de impenhorabilidade (§ 2º do art. 655-A do CPC).

Na atualidade, a penhora de ativos financeiros se viabiliza basicamente por meio do programa BACEN JUD – fruto do convênio firmado entre o Banco Central e tribunais –, pelo qual o juiz, cadastrado devidamente no Programa, não precisa antes intimar o executado ou ordenar que o exequente indique os bens a serem penhorados. Com auxílio dos meios eletrônicos, basta-lhe determinar ao supervisor do sistema bancário (Banco Central do Brasil) informações e a automática indisponibilidade dos valores depositados ou aplicados pertencentes ao executado[13].

Trata-se de regra de inegável eficiência, conquanto não se possa dizer o mesmo quanto ao perigo de atingir a garantia do executado ao devido processo, como o direito da impenhorabilidade de bens, entre os quais o salário (salvo para pagamento de prestação alimentícia) e os recursos de valor não superior a quarenta salários mínimos depositados em caderneta de poupança.

Se bem que a regra inovadora não tenha por si só a potencialidade de violar a cláusula do devido processo legal, a medida judicial executada deve conter razoabilidade e ser praticada com bom senso e cumprida com responsabilidade.

Ciente disso, o juiz não pode prescindir da redobrada atenção para dizer exatamente qual o valor a ser penhorado e não permitir que fiquem indisponíveis valores desnecessários para garantir a dívida. Incontinenti à penhora o executado precisa ser intimado da indisponibilidade e ser comunicado do ato de constrição. Os autos contendo a medida não devem ficar em segredo de justiça e sim abertos para o executado poder saber quais os fundamentos decisórios utilizados pelo magistrado e qual o valor bloqueado.

Além disso, há de ser resguardado o direito de defesa do executado, de provar por todos os meios admissíveis que aquele numerário constitui seu salário ou está revestido de outra forma de impenhorabilidade.

Na própria ordem ao Banco Central o juiz já deve determinar a indisponibilidade ordenando que tal ato não atinja créditos decorrentes de aposentadoria e pensões, salários, subsídios, honorários de profissional liberal, depósitos de caderneta de poupança até o limite de quarenta salários mínimos, entre outros.

Em matéria de efetividade do processo a penhora de ativos financeiros, sem dúvida, é a melhor contribuição da Lei n. 11.382/2006 ao CPC de 1973. São muitos os seus benefícios: pode evitar novos procedimentos e gastos, além de idas e vindas de oficiais de justiça; pode eliminar adjudicação, usufruto de móvel ou imóvel, alienação pelo exequente, por particular ou eletrônica, entre outros meios expropriatórios, além de ser efetiva e rápida e ainda ter o efeito psicológico contra o mau pagador, que será implacável e diretamente atingido em seus depósitos e em suas aplicações financeiras.

 

6. MEIOS EXPROPRIATÓRIOS. Consoante o revogado art. 647 do CPC de 1973 (incisos I, II e III), a expropriação consistia na alienação de bens do executado, na adjudicação em favor do exequente e no usufruto de imóvel ou de empresa.

Pelo mesmo dispositivo, com a redação dada pela Lei n. 11.382/2006, a expropriação consiste: I – na adjudicação em favor do exequente ou das pessoas indicadas no art. 685-A, § 2º; II – na alienação por iniciativa particular; III – na alienação em hasta pública; IV – no usufruto de bem móvel ou imóvel.

Acrescente-se a esse rol, a possibilidade de instauração pelos tribunais de alienação do bem por meio eletrônico.

Aumentaram as formas de satisfação do exequente e a alienação em hasta pública não é mais a forma preferencial, mas a menos estimulada forma de expropriação[14].

Esse alargamento de modalidades expropriatórias se põe em proveito tanto do executado, quanto do exequente, em sintonia com o princípio de que a execução deve ser mais econômica e menos prejudicial possível.

Assim, o CPC estimula a adjudicação, sem prejuízo da aplicação, por exemplo, quando frustrada aquela modalidade, do usufruto em vez da alienação por particular e vice-versa, tudo de acordo com a necessidade de fazer uma execução rápida, econômica e mais adequada à satisfação da obrigação.

Aliás, cabe aos tribunais regulamentar e especificar melhor a matéria, cadastrar corretores e vendedores particulares interessados em colaborar com a justiça e montar um sistema de bancos de dados para dar praticidade à alienação por meio eletrônico.

Aqui tem lugar o princípio da economia e da menor onerosidade executiva, levando o magistrado guiar-se pela justiça do e pelo processo.

 

CONCLUSÃO. Inegavelmente, as novas regras sobre processo de execução extrajudicial dotaram o Judiciário de mais dinamismo, fortaleceram o título e criaram as condições para uma razoável duração do procedimento executivo. E, ao mesmo tempo, preservaram garantias necessárias à defesa do executado.

A Lei n. 11.382/2006 considera o trinômio: efetividade, celeridade e segurança jurídica. Suas regras são operativas e de fácil aplicação e contêm energia suficiente para não caírem na vala comum da ineficácia, como tantas regras executivas do CPC de 1973.

As inovações não podem ser apontadas nem como fruto de radicalização nem como de manutenção do status quo. Na verdade, constituem considerável contribuição para um processo célere, efetivo e seguro, entre os quais: adequados instrumentos e poderes para o combate à fraude executiva; consagração da penhora de ativos financeiros; melhores meios de satisfação da obrigação, como o incentivo à adjudicação, a alienação do bem ou por corretor ou por via eletrônica.

Não se cuida de mágicas fórmulas para a extinção das diversas deficiências do nosso ultrapassado processo de execução civil de título extrajudicial, mas de um notável aperfeiçoamento do sistema, uma vez que essa ampla reforma trouxe mecanismos de aceleração procedimental, com a substituição de meios inoperantes e antiquados por mecanismos atuais, racionais e adaptadas ao quadro social e econômico da realidade jurídica brasileira.

 

  • Vallisney de Souza Oliveira. Publicado na Revista Jurídica da Seção Judiciária de      Pernambuco. Recife: Justiça Federal de Pernambuco, n. 3, 2010, p.      286-299.

 

 


[1] Conquanto não se faça referência nos tópicos seguintes, vale o registro de que houve também mudança na forma de defesa do executado. Com a reforma, os embargos à execução se desvincularam da penhora e passaram a ter efeitos não suspensivos; quando feita a penhora, podem ter efeitos suspensivos ex iuris, a fim de evitar grave dano de difícil ou incerta reparação aliada à relevância dos fundamentos (art. 739-A e seu § 1º, CPC); para embargar não há mais necessidade de penhora ou outra garantia da dívida; os embargos devem ser interpostos em quinze dias após a citação executiva e não mais após a intimação da penhora (art. 736 do CPC).

[2] “A absoluta maioria dos países” [...], consoante Daniel Amorim Assumpção Neves, “tem em seus diplomas processuais alguma previsão obrigando o executado a indicar seus bens no processo de execução”, tanto países da tradição jurídica commom Law como da civil Law (NEVES, Daniel Amorim Assumpção et al. Dever de informar sobre bens do executado. In Reforma do CPC 2: nova sistemática processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 136).

[3] “A indicação de bens à penhora, assim, deixou de ser um mero ônus do executado, passando a ser tratado pela norma jurídica como um de seus deveres processuais, cujo descumprimento pode, até mesmo, ser considerado atentatório à dignidade da Justiça” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, 3: Leis n. 11.382/2006, 11.417/2006, 11.418/2006, 11.419/2006, 11.441/2007, 11.448/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 66).

[4] Op. cit., p. 75.

[5] É diferente a situação prevista no art. 615-A da prevista no art. 659, § 4º, ambos do CPC, pois a segunda não trata propriamente da averbação da ação de execução, mas da penhora. Eis o teor do § 4º do art. 659: A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial.

[6] ARMELIN, Donaldo. Embargos de terceiro. São Paulo: PUC – Tese de doutoramento, 1981. p. 11.

[7] Eis um trecho da Mensagem (do Veto) n. 1.047, de 06 de dezembro de 2006: “apesar de razoável, a proposta quebra a tradição surgida com a Lei n. 8.009, de 1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, no sentido da impenhorabilidade do bem de família independentemente do valor. Novamente, avaliou-se que o vulto da controvérsia em torno da matéria torna conveniente a reabertura do debate a respeito mediante o veto ao dispositivo”.

[8] Daniel Amorim Assumpção Neves observa: “O falso moralismo de não se permitir penhora de parcela do salário não se justifica, ainda mais num país como o Brasil, no qual o salário mínimo é a realidade para grande parcela da população – outra grande fatia não ganha nem isso” (op. cit., p. 201-202).

[9] A impenhorabilidade do bem de família é absoluta, e “pode ser alegada a qualquer tempo, até mesmo por petição nos autos da execução” (REsp 1114719/SP. Rel. Min.  Sidnei Beneti. Terceira Turma. Julgado em 23/06/2009. DJe 29/06/2009).

[10] Aliás, no Direito Espanhol a penhora sobre salário é admitida. Lá há a previsão de penhora em percentuais crescentes de penhorabilidade a partir de um salário mínimo, este totalmente impenhorável, e não a ponto de tornar impenhorável a renda de até 40 salários-mínimos e 60% do que lhe exceder (art. 607 da Lei de Enjuiciamiento Civil Espanhol – Lei n. 1, de 7 de janeiro de 2000). Da mesma forma, como assinalam Bruno Dantas Nascimento e Marcos Antônio Köhler, além da própria Espanha, também Portugal, Bélgica e Alemanha admitem plenamente a penhora sobre salários, resguardando-se um faixa salarial mínima sobre o qual não incide a penhora (Aspectos jurídicos e econômicos da impenhorabilidade de salários no Brasil: contribuição para um debate necessário. Execução Civil – Estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Ernane Fidélis dos Santos et alii. (coordenadores). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 449-454).

[11] Segundo orientação pacificada no STJ, “após a entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006, não mais se exige do credor a comprovação de esgotamento das vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados”, uma vez que “a penhora on line deve ser mantida sempre que necessária à efetividade da execução” (AgRg no Ag 1050772/RJ. Rel. Min. Paulo Furtado – Des. Convocado TJ/BA. Terceira Turma. Julgado em 26/05/2009. DJe 05/06/2009).

[12] O STJ aceita a aplicação do 655-A na execução fiscal, de modo que considera desnecessário o esgotamento de meios executivos para a aplicação da penhora on line: “Na época em que indeferida pelo julgador singular a medida constritiva de penhora on line das contas bancárias da agravante, já estava em vigor a Lei n. 11.382/2006 que, alterando o artigo 655, inciso I, do CPC, incluiu os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens preferenciais na ordem de penhora, equiparado-os a dinheiro em espécie. Nesse panorama, perfeitamente aplicável o novel artigo 655 do CPC. Assim, objetivando cumprir a Lei de Execuções Fiscais e o Código de Processo Civil, é válida a utilização do sistema BACEN JUD para a localização do bem (dinheiro) em instituição financeira, mesmo que não esgotados todos os meios para a localização de outros bens penhoráveis. Precedentes”. (AgRg no REsp 1092815/RS, Rel. Min. Francisco Falcão. Primeira Turma. Julgado em 14/04/2009. DJe 23/04/2009). “A jurisprudência desta Corte tem examinado o pedido de penhora on line levando em consideração o momento em que formulado: se antes ou depois do advento da Lei n. 11.382/2006, que alterou o art. 655, I, do CPC, incluindo os depósitos e as aplicações em instituições financeiras como preferenciais na ordem de penhora, equiparando-os a dinheiro em espécie. Se o pleito é anterior à nova lei, seu deferimento fica condicionado ao esgotamento de todos os meios de localização dos bens do devedor, em atenção ao art. 185-A do CTN. No regime atual, a penhora on line pode ser deferida de plano, afastando-se a exigência. Precedentes desta Corte” (REsp 910.497/SP. Rel. Min.  Eliana Calmon. Segunda Turma. Julgado em 16/12/2008. DJe 17/02/2009).

[13] Na justiça do Trabalho é amplamente difundida essa prática da penhora on line – igualmente possibilitada pelo convênio entre o Banco Central do Brasil (BACEN) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

[14] A arrematação é um “procedimento complexo, demorado, de custo muitas vezes elevado”, que normalmente depende de terceiros arrematantes (WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, 3: Leis n. 11.382/2006, 11.417/2006, 11.418/2006, 11.419/2006, 11.441/2007, 11.448/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 88).

 

* Vallisney de Souza Oliveira (VSO). Publicado também na Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco. Recife: Justiça Federal de Pernambuco, n. 3, 2010, p. 286-299.

categoria: Artigos